Aborto

STJ reconhece ilicitude de provas obtidas a partir de quebra de sigilo médico e tranca ação penal contra mulher acusada de praticar aborto

STJ entendeu que prova obtida a partir de violação de sigilo profissional é ilícita

Publicado em 18 de Outubro de 2023 às 12:14 | Atualizado em 18 de Outubro de 2023 às 12:14

A partir de um habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública de SP, por meio de seu Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou o trancamento de uma ação penal contra uma mulher acusada de praticar aborto, sob o fundamento de que as provas que serviram de base para a propositura da ação foram obtidas com violação do dever de sigilo médico, sendo, portanto, ilegais.  

Segundo consta no processo, uma mulher teria feito, supostamente, uso de medicamentos abortivos e, ao passar mal, foi procurar auxílio médico no hospital próximo a sua residência. Após a consulta, a médica responsável pelo atendimento acionou a Polícia Militar, tendo relatado que a paciente teria cometido um aborto, em razão do uso da medicação. “Está evidente que a médica que atendeu a paciente instruiu os policiais militares sobre sua situação clínica, tratando-se, portanto, de nítida hipótese de quebra de sigilo profissional”, apontaram as defensoras públicas Ana Rita Souza Prata e Paula Sant’Anna Machado de Souza, que atuaram no caso.  

Após denúncia do Ministério Público, a Defensoria Pública impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça paulista (TJ-SP), apontando a ilicitude da única prova do processo, uma vez que baseada em quebra de sigilo profissional entre a médica e a paciente, e pedindo o trancamento da ação. O pedido foi negado. 

Dessa forma, um novo habeas corpus foi impetrado perante o STJ, reiterando a ilegalidade da prova apresentada. As defensoras também pontuaram que a criminalização do aborto “não se mostra compatível com as regras e princípios insculpidos em instrumentos internacionais de Direitos Humanos e na Constituição Federal”. 

A sessão de julgamento do habeas corpus contou com sustentação oral realizada pelo defensor público Fernando Rodolfo Merces Moris, do Núcleo de Segunda Instância e Tribunais Superiores da Defensoria Pública. 

Na decisão, o ministro do STJ Antonio Saldanha Palheiro reconheceu que a abordagem policial da paciente ainda no hospital ocorreu após declaração prestada pela médica que realizou o atendimento, o que viola o dever de sigilo profissional. “Deve ser assegurado à paciente o direito constitucional de não autoincriminação, não sendo possível admitir que eventual procura de ajuda médica para salvaguardar sua própria vida, em caso como o dos autos, configure, ainda que por vias oblíquas, em produção de provas contra si mesma, devendo o sigilo médico voltar-se precipuamente à proteção do direito à saúde e à intimidade da paciente”. 

Dessa forma, reconheceu a ilicitude da prova obtida a partir da violação de sigilo profissional, determinando, assim, o trancamento da ação penal. 

ADPF 442 

A constitucionalidade acerca da criminalização do aborto está sendo discutida no Supremo Tribunal Federal a partir da ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 442.  

Recentemente, a defensora pública Nálida Coelho Monte, integrante do Nudem, realizou sustentação oral perante o STF, apontando que a criminalização da interrupção voluntária da gestação viola o princípio da dignidade humana das mulheres e as exigências de igualdade entre homens e mulheres. Além disso, essas violações afetam desproporcionalmente mulheres pobres e vulneráveis, que compõem o público-alvo da Defensoria Pública.  

Ela também apresentou dados levantados pelo Nudem acerca do perfil das mulheres que respondem a processos criminais pela suposta prática de aborto. “Há um perfil muito claro: são jovens em idade reprodutiva, em sua maioria já são mães, são as principais responsáveis pelo sustento da casa, têm baixa escolaridade e são pobres. São primárias. Não são criminosas”. 

Entre os diversos pontos abordados no voto, a ministra Rosa Weber, relatora do caso, reconheceu o impacto desproporcional da criminalização do aborto em razão de sexo e gênero, e, com ainda mais densidade, nas razões de raça e condições socioeconômicas, destacando o levantamento apresentado pela Defensoria Pública de SP. 

Ainda não há previsão para apresentação do voto dos demais ministros.