Após atuação extrajudicial da Defensoria, estudante indígena de origem boliviana consegue matrícula na Unesp em vaga reservada a cotas
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.
Por meio de atuação extrajudicial, a Defensoria Pública de SP conseguiu garantir a matrícula no curso de medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp) a um jovem indígena, de origem boliviana e naturalizado brasileiro, em vaga reservada à política de cotas para pretos, pardos ou indígenas.
Nascido na Bolívia, Abraham veio com a família para o Brasil aos 6 anos de idade. Filho de mãe indígena da comunidade de Chirapaca, Zona Villa Allicia, na Província dos Andes, e pai indígena da comunidade Jancpo Marca, Munincípio de Guaqui, o jovem de 20 anos cursou o ensino médio na rede pública do Brasil e se reconhece como pertencente à etnia aymara, povo originário de Peru, Bolívia, Argentina e Chile.
No final de janeiro de 2020, ele fez a pré-matrícula na Unesp em Botucatu, após ser aprovado para ocupar vaga dentro da política de cotas. Morador de Vila Velha (ES), ele já tinha se mudado para SP e assistia às primeiras aulas, quando recebeu um e-mail comunicando o indeferimento da matrícula. “Foi uma apunhalada no coração”, conta. A justificativa: não teria cumprido requisito do vestibular, que exigia vínculo com comunidade indígena brasileira certificado pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Pedido de reconsideração
Procurado por Abraham, o Núcleo de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial (Nuddir) da Defensoria encaminhou em 2/6 ofício à Unesp pedindo a reconsideração do indeferimento.
A coordenadora do Nuddir, Defensora Isadora Brandão, argumentou que o fato de o jovem pertencer a etnia indígena não brasileira não poderia ter impedido a matrícula, pois a Constituição veda discriminação por origem ou nacionalidade, garantindo os mesmos direitos fundamentais a brasileiros natos e naturalizados e a estrangeiros.
Argumentou que a Lei de Migração (13.445/17) assegura acesso igualitário e livre de migrantes à educação pública, e que a Lei 12.711/12, que institui o sistema de cotas, não traz qualquer impedimento a que estrangeiros sejam beneficiários de ações afirmativas, tampouco estabelece que apenas etnias indígenas vinculadas ao território brasileiro seriam beneficiárias da política.
“Uma vez que a política abrange também os estrangeiros, não poderia o edital estabelecer a obrigatoriedade de demonstração de vínculo com comunidade indígena brasileira, pois esta consiste em uma forma oblíqua de excluir indígenas de origem estrangeira, ainda que naturalizados”, afirmou a Defensora Isadora.
Apontou também que a Funai já havia emitido documento registrando a autodeclaração de Abraham como de etnia aymara, e que não caberia à autarquia definir quem é ou não indígena, mas somente atestar as informações prestadas. Caso contrário, violaria preceitos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e do Estatuto do Índio.
Assim, a autodeclaração do jovem e vínculo com comunidades indígenas atestado em documentos assinados por lideranças das comunidades bolivianas dos pais e pelo Comitê Executivo da Federação Departamental Única de Trabalhadores Campesinos de La Paz “Tupai Katari” seriam suficientes para garantir a matrícula.
Autorização da matrícula
Em decisão publicada no dia 25/6, a Unesp acolheu o pedido e autorizou a matrícula. O professor Juarez Xavier, presidente da Comissão de Averiguação de autodeclarações de pretos e pardos no vestibular da Unesp, ressaltou que o órgão tem se posicionado favoravelmente ao ingresso como cotistas de pessoas com origem indígena fora do Brasil, considerando que a lei não determina territorialidade da etnia. Afirmou que a Unesp já havia flexibilizado critérios anteriormente para permitir a matrícula de uma estudante de etnia indígena não brasileira e que a solução no caso de Abraham foi mais lenta em razão de dificuldades do distanciamento social.
“Muita alegria, minha mãe chorou”, conta o jovem sobre o momento em que recebeu a nova notícia. Para ele, poder cursar medicina é mais que um passo para construir uma carreira. “É uma mudança de contexto, porque todas as minhas gerações antepassadas, da Bolívia, são de pessoas que trabalharam no campo, em plantações, e viveram apenas da agricultura familiar e em condições de pobreza. E, numa sociedade boliviana, bastante racista, era senso comum que indígenas só tinham que trabalhar no campo, não em outros espaços. É uma honra saber que consegui mudar essa história, e gerar um exemplo para meus primos, aqui e na Bolívia”, afirma.
Nascido na Bolívia, Abraham veio com a família para o Brasil aos 6 anos de idade. Filho de mãe indígena da comunidade de Chirapaca, Zona Villa Allicia, na Província dos Andes, e pai indígena da comunidade Jancpo Marca, Munincípio de Guaqui, o jovem de 20 anos cursou o ensino médio na rede pública do Brasil e se reconhece como pertencente à etnia aymara, povo originário de Peru, Bolívia, Argentina e Chile.
No final de janeiro de 2020, ele fez a pré-matrícula na Unesp em Botucatu, após ser aprovado para ocupar vaga dentro da política de cotas. Morador de Vila Velha (ES), ele já tinha se mudado para SP e assistia às primeiras aulas, quando recebeu um e-mail comunicando o indeferimento da matrícula. “Foi uma apunhalada no coração”, conta. A justificativa: não teria cumprido requisito do vestibular, que exigia vínculo com comunidade indígena brasileira certificado pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Pedido de reconsideração
Procurado por Abraham, o Núcleo de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial (Nuddir) da Defensoria encaminhou em 2/6 ofício à Unesp pedindo a reconsideração do indeferimento.
A coordenadora do Nuddir, Defensora Isadora Brandão, argumentou que o fato de o jovem pertencer a etnia indígena não brasileira não poderia ter impedido a matrícula, pois a Constituição veda discriminação por origem ou nacionalidade, garantindo os mesmos direitos fundamentais a brasileiros natos e naturalizados e a estrangeiros.
Argumentou que a Lei de Migração (13.445/17) assegura acesso igualitário e livre de migrantes à educação pública, e que a Lei 12.711/12, que institui o sistema de cotas, não traz qualquer impedimento a que estrangeiros sejam beneficiários de ações afirmativas, tampouco estabelece que apenas etnias indígenas vinculadas ao território brasileiro seriam beneficiárias da política.
“Uma vez que a política abrange também os estrangeiros, não poderia o edital estabelecer a obrigatoriedade de demonstração de vínculo com comunidade indígena brasileira, pois esta consiste em uma forma oblíqua de excluir indígenas de origem estrangeira, ainda que naturalizados”, afirmou a Defensora Isadora.
Apontou também que a Funai já havia emitido documento registrando a autodeclaração de Abraham como de etnia aymara, e que não caberia à autarquia definir quem é ou não indígena, mas somente atestar as informações prestadas. Caso contrário, violaria preceitos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e do Estatuto do Índio.
Assim, a autodeclaração do jovem e vínculo com comunidades indígenas atestado em documentos assinados por lideranças das comunidades bolivianas dos pais e pelo Comitê Executivo da Federação Departamental Única de Trabalhadores Campesinos de La Paz “Tupai Katari” seriam suficientes para garantir a matrícula.
Autorização da matrícula
Em decisão publicada no dia 25/6, a Unesp acolheu o pedido e autorizou a matrícula. O professor Juarez Xavier, presidente da Comissão de Averiguação de autodeclarações de pretos e pardos no vestibular da Unesp, ressaltou que o órgão tem se posicionado favoravelmente ao ingresso como cotistas de pessoas com origem indígena fora do Brasil, considerando que a lei não determina territorialidade da etnia. Afirmou que a Unesp já havia flexibilizado critérios anteriormente para permitir a matrícula de uma estudante de etnia indígena não brasileira e que a solução no caso de Abraham foi mais lenta em razão de dificuldades do distanciamento social.
“Muita alegria, minha mãe chorou”, conta o jovem sobre o momento em que recebeu a nova notícia. Para ele, poder cursar medicina é mais que um passo para construir uma carreira. “É uma mudança de contexto, porque todas as minhas gerações antepassadas, da Bolívia, são de pessoas que trabalharam no campo, em plantações, e viveram apenas da agricultura familiar e em condições de pobreza. E, numa sociedade boliviana, bastante racista, era senso comum que indígenas só tinham que trabalhar no campo, não em outros espaços. É uma honra saber que consegui mudar essa história, e gerar um exemplo para meus primos, aqui e na Bolívia”, afirma.