Levantamento da Defensoria Pública a partir de mutirão realizado aponta índice de sucesso de 65% no STJ em casos de tráfico privilegiado durante a pandemia
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.
Publicado em 22 de Julho de 2020 às 09:00 | Atualizado em 22 de Julho de 2020 às 09:00
Dados consolidados a partir de um mutirão voltado à atuação em condenações por tráfico privilegiado durante a pandemia - quando a pessoa é primária, normalmente acusada de porte de baixa quantidade de drogas, tem bons antecedentes e não integra organização criminosa - apontam um índice de sucesso de 65% nas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao analisar habeas corpus da Defensoria paulista.
O percentual considerou 142 habeas corpus apresentados ao STJ diante de condenações que fixaram em casos de tráfico privilegiado uma pena em quantidade mínima (1 ano e 8 meses), porém em regime inicial fechado (o mais grave previsto pela lei). A partir desse recorte de casos, os pedidos de liberdade foram feitos à Corte pela Defensoria. Nesse grupo, 93 decisões concederam habeas corpus reafirmando enunciados e súmulas do próprio STJ e também do Supremo Tribunal Federal (STF). Os números integram levantamento que vem sendo realizado pelos Núcleos Especializados de Situação Carcerária (NESC) e de Segunda Instância e Tribunais Superiores da Defensoria Pública de SP.
Três enunciados das Súmulas do STJ e STF com frequência fundamentam a reforma das decisões:
- Súmula nº 440 STJ: “Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito.”
- Súmula nº 718 STF: “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.”
- Súmula nº 719 STF: “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.”
Tráfico privilegiado
O chamado “tráfico privilegiado” é previsto na Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), em seu artigo 33, parágrafo 4º, que permite a redução de penas entre um sexto a dois terços. Isso significa que um réu primário, que tenha bons antecedentes, não seja dedicado a atividades criminosas nem integre organização criminosa pode ter sua pena reduzida ao mínimo de 1 ano e 8 meses de prisão.
Já o Código Penal autoriza o início do cumprimento da pena em regime aberto em caso de pena até 4 anos, bem como a substituição da privação de liberdade por pena restritiva de direitos – como prestação de serviços à comunidade ou limitação de fim de semana, por exemplo.
O levantamento aponta que, de um total de 103 habeas corpus da Defensoria contra decisões que aplicaram a pena mínima para tráfico privilegiado, mas com regime inicial fechado, o TJSP, em segunda instância, concedeu 10 – ou seja, 9,7% do total.
Dos habeas corpus impetrados pela Defensoria ao STJ contra decisões da Corte paulista em habeas corpus, foram deferidos 54,5% (40 em 74). Entre os habeas corpus que questionaram decisões relativas a apelações, o índice de sucesso chegou a 82,8% (53 em 64).
Impactos no encarceramento de pobres, negros e mulheres
A Defensora Surraily Fernandes Youssef, integrante do NESC, avalia que decisões que geram encarceramento e regras mais rígidas de obtenção de benefícios penais em casos com esse perfil (tráfico privilegiado) provocam um impacto direto em punição de mulheres, uma vez que são majoritariamente acusadas de tráfico de drogas e terminam por cumprir penas de 1 ano e 8 meses em regime fechado, longe dos filhos, em violação às Regras de Bangkok, que determinam a aplicação de alternativas ao encarceramento de mulheres.
Um dos casos reformados foi o de uma mulher, ré primária e com um filho de 5 anos, que foi presa e condenada a 1 ano e 8 meses de prisão no regime inicial fechado por portar 5,42 g de crack. Ao determinar a aplicação do regime aberto, o STJ ressaltou que a fixação do regime fechado havia se baseado em considerações vagas e genéricas sobre a gravidade abstrata do crime, violando as Súmulas 718 e 719 do STF e 440 do STJ.
O Defensor Rafael Muneratti (NTITS), que atua perante os tribunais superiores em Brasília, reitera o alto índice de sucesso de habeas corpus da Defensoria paulista em casos de tráfico privilegiado no STJ, por meio de atuação combativa de Defensores e Defensoras Públicas.
O Defensor Mateus Oliveira Moro, coordenador auxiliar do NESC, destaca dados de final de maio da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (SAP): há no Estado de São Paulo 221 mil pessoas presas, 40% por tráfico de drogas. Do total, são 5.347 mulheres condenadas por tráfico, 1.638 presas preventivamente, sem sentença, sendo 61,5% as mulheres presas por tráfico. Ele também ressalta que 59% das pessoas presas são negras e pardas, apontando como a política de guerra às drogas gera uma criminalização voltada à pobreza, com nítido recorte racial no encarceramento.
Os casos do mutirão foram selecionados a partir de uma listagem de pessoas presas por tráfico privilegiado obtida pelo Defensor Marcelo Novaes junto à Secretaria de Administração Penitenciária. Com suporte da Defensoria-Geral, a listagem foi organizada para o mutirão de habeas corpus promovido por Defensores/as do Núcleo de Situação Carcerária.
Os dados da SAP informam a existência no estado de São Paulo de 1.438 pessoas condenadas a uma pena mínima de 1 ano e 8 meses; 4.029 com pena de até 4 anos e 11.284 com uma pena de 5 anos. Essas referências indicam que muitas pessoas condenadas por delito de drogas são primárias e fazem jus a critérios de pena mais brandos e com menor encarceramento, conforme jurisprudência dos Tribunais Superiores.