Princípio da insignificância: Defensoria de SP vai até o STF para absolver mulher condenada por tentativa de furto de 6 garrafas de suco de laranja
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.
Lúcia (nome fictício) foi condenada a 2 anos de prisão em regime fechado acusada de subtrair de um mercado 6 garrafas de suco de laranja, que custam cerca de R$ 10 reais cada. Ela foi presa em flagrante logo na sequência do ocorrido, e o produto, restituído ao estabelecimento. Levada a julgamento, foi condenada a 2 anos de prisão em regime fechado. Em sua defesa, a Defensoria Pública de SP teve de recorrer a todas as instâncias do Poder Judiciário até fazer valer, no Supremo Tribunal Federal (STF), a aplicação do princípio da insignificância e a consequente absolvição da ré.
Na sentença condenatória, o Juízo de primeiro grau (1ª Vara Criminal da Comarca de Guarulhos) rejeitou a argumentação da Defensoria, que pleiteava a absolvição de Lúcia baseada no princípio da insignificância. A condenação foi justificada pelos argumentos de que a conduta da ré se enquadra no tipo penal descrito na denúncia (crime de furto), de que o valor do que foi furtado não influencia na tipicidade da conduta e pelo fato de Lúcia ser reincidente.
Diante da decisão, o Defensor Felipe de Castro Busnello interpôs recurso no Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP), que deu provimento parcial à apelação, reduzindo a pena para 1 ano e 4 meses de reclusão no regime semiaberto. Contra a decisão da Corte estadual, a Defensoria Pública impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que indeferiu o pedido. Assim, o Defensor levou o pleito ao Supremo.
“Considerando o valor total das garrafas de suco subtraídas (R$ 60), que não ultrapassa quantia equivalente a 10% do salário mínimo nacional vigente à época do delito, verifica-se que não houve lesão significativa ao bem jurídico tutelado que justifique a aplicação da lei penal, que deve observar, dentre outros, os postulados da intervenção mínima e da lesividade”, argumentou o Defensor.
Felipe Busnello sustentou ainda que no caso em julgamento estavam preenchidos os requisitos estabelecidos pelos Tribunais Superiores para a aplicação do princípio da insignificância: mínima ofensividade da conduta do acusado, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada. “Como se sabe, o Direito Penal não deve se ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico ou à integridade da própria ordem social”, acrescentou.
Jurisprudência
Na decisão, o Ministro Gilmar Mendes acolheu os argumentos da Defensoria e, aplicando o princípio da insignificância, absolveu Lúcia.
“Como se vê, o Magistrado (que proferiu a condenação) ignora, frontalmente, a necessidade de análise da tipicidade material, sendo restrito a afirmar que uma conduta será típica se meramente se enquadrar na descrição do tipo formal. Segundo o Magistrado, não há necessidade de se proceder à valoração da conduta e averiguar se ela, de fato, ofende o bem jurídico tutelado pela ordem penal. Não é o entendimento da doutrina e da jurisprudência da Corte”, afirmou o Ministro.
Gilmar Mendes afastou também a justificativa de que o fato de se tratar de ré reincidente seria motivo para a não-aplicação do princípio da insignificância. “No caso dos autos, penso que tem razão a Defensoria Pública Estadual. É que, se o princípio da insignificância é causa de exclusão da própria tipicidade, resta, prima facie, irrelevante a análise da ficha de antecedentes criminais. (...) Para o reconhecimento de causa de exclusão de tipicidade ou ilicitude, são irrelevantes, em tese, os dados da vida pregressa do acusado”, pontuou. “Seja lá qual for a teoria adotada, a primariedade/reincidência não é elemento da tipicidade, mas circunstância afeta à individualização da pena, motivo por que não faz qualquer sentido indagar, para o reconhecimento de atipicidade, se o réu é primário.”
O Ministro destacou ainda que não houve sequer prejuízo material, pois os sucos foram restituídos à vítima, mais um motivo pelo qual, de acordo com ele, deve incidir o postulado da insignificância. “Nesses termos, tenho que, a despeito de restar patente a existência da tipicidade formal (perfeita adequação da conduta do agente ao modelo abstrato previsto na lei penal), não incide, no caso, a material, que se traduz na lesividade efetiva e concreta ao bem jurídico tutelado, sendo atípica a conduta imputada”, afirmou.
Princípio da insignificância
A Defensoria Pública de SP obteve recentemente nos Tribunais Superiores decisões favoráveis a réus acusados de tentativas de furto de itens de pequeno valor contra estabelecimentos comerciais.
Embora esteja sedimentada desde 2004 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a incidência do “princípio da insignificância” nem sempre é aplicada em instâncias iniciais e termina sendo reconhecida apenas após recursos a Cortes Superiores. Há casos de réus que respondem presos a essas acusações.
Reconhecido pela jurisprudência e doutrina penal, o princípio da insignificância tem o intuito de afastar a tipicidade penal, isto é, afastar a criminalização, em casos de furto ou tentativa de furto que preencha alguns requisitos, como a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
O objetivo é evitar que condutas de baixo potencial ofensivo sofram os rigores da intervenção penal, que deve ser reservada apenas a condutas que impliquem grave ofensa social.
Veja outros casos recentes que foi preciso recorrer aos Tribunais Superiores para fazer valer a aplicação do princípio da insignificância: