Princípio da insignificância: Defensoria de SP vai até o STF para absolver mulher condenada por tentativa de furto de 6 garrafas de suco de laranja

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.

Publicado em 5 de Março de 2021 às 13:00 | Atualizado em 5 de Março de 2021 às 13:00

Lúcia (nome fictício) foi condenada a 2 anos de prisão em regime fechado acusada de subtrair de um mercado 6 garrafas de suco de laranja, que custam cerca de R$ 10 reais cada. Ela foi presa em flagrante logo na sequência do ocorrido, e o produto, restituído ao estabelecimento. Levada a julgamento, foi condenada a 2 anos de prisão em regime fechado. Em sua defesa, a Defensoria Pública de SP teve de recorrer a todas as instâncias do Poder Judiciário até fazer valer, no Supremo Tribunal Federal (STF), a aplicação do princípio da insignificância e a consequente absolvição da ré.

Na sentença condenatória, o Juízo de primeiro grau (1ª Vara Criminal da Comarca de Guarulhos) rejeitou a argumentação da Defensoria, que pleiteava a absolvição de Lúcia baseada no princípio da insignificância. A condenação foi justificada pelos argumentos de que a conduta da ré se enquadra no tipo penal descrito na denúncia (crime de furto), de que o valor do que foi furtado não influencia na tipicidade da conduta e pelo fato de Lúcia ser reincidente.

Diante da decisão, o Defensor Felipe de Castro Busnello interpôs recurso no Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP), que deu provimento parcial à apelação, reduzindo a pena para 1 ano e 4 meses de reclusão no regime semiaberto. Contra a decisão da Corte estadual, a Defensoria Pública impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que indeferiu o pedido. Assim, o Defensor levou o pleito ao Supremo.

“Considerando o valor total das garrafas de suco subtraídas (R$ 60), que não ultrapassa quantia equivalente a 10% do salário mínimo nacional vigente à época do delito, verifica-se que não houve lesão significativa ao bem jurídico tutelado que justifique a aplicação da lei penal, que deve observar, dentre outros, os postulados da intervenção mínima e da lesividade”, argumentou o Defensor.

Felipe Busnello sustentou ainda que no caso em julgamento estavam preenchidos os requisitos estabelecidos pelos Tribunais Superiores para a aplicação do princípio da insignificância: mínima ofensividade da conduta do acusado, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada. “Como se sabe, o Direito Penal não deve se ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico ou à integridade da própria ordem social”, acrescentou.

Jurisprudência

Na decisão, o Ministro Gilmar Mendes acolheu os argumentos da Defensoria e, aplicando o princípio da insignificância, absolveu Lúcia.

“Como se vê, o Magistrado (que proferiu a condenação) ignora, frontalmente, a necessidade de análise da tipicidade material, sendo restrito a afirmar que uma conduta será típica se meramente se enquadrar na descrição do tipo formal. Segundo o Magistrado, não há necessidade de se proceder à valoração da conduta e averiguar se ela, de fato, ofende o bem jurídico tutelado pela ordem penal. Não é o entendimento da doutrina e da jurisprudência da Corte”, afirmou o Ministro.

Gilmar Mendes afastou também a justificativa de que o fato de se tratar de ré reincidente seria motivo para a não-aplicação do princípio da insignificância. “No caso dos autos, penso que tem razão a Defensoria Pública Estadual. É que, se o princípio da insignificância é causa de exclusão da própria tipicidade, resta, prima facie, irrelevante a análise da ficha de antecedentes criminais. (...) Para o reconhecimento de causa de exclusão de tipicidade ou ilicitude, são irrelevantes, em tese, os dados da vida pregressa do acusado”, pontuou. “Seja lá qual for a teoria adotada, a primariedade/reincidência não é elemento da tipicidade, mas circunstância afeta à individualização da pena, motivo por que não faz qualquer sentido indagar, para o reconhecimento de atipicidade, se o réu é primário.”

O Ministro destacou ainda que não houve sequer prejuízo material, pois os sucos foram restituídos à vítima, mais um motivo pelo qual, de acordo com ele, deve incidir o postulado da insignificância. “Nesses termos, tenho que, a despeito de restar patente a existência da tipicidade formal (perfeita adequação da conduta do agente ao modelo abstrato previsto na lei penal), não incide, no caso, a material, que se traduz na lesividade efetiva e concreta ao bem jurídico tutelado, sendo atípica a conduta imputada”, afirmou.

Princípio da insignificância

A Defensoria Pública de SP obteve recentemente nos Tribunais Superiores decisões favoráveis a réus acusados de tentativas de furto de itens de pequeno valor contra estabelecimentos comerciais

Embora esteja sedimentada desde 2004 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a incidência do “princípio da insignificância” nem sempre é aplicada em instâncias iniciais e termina sendo reconhecida apenas após recursos a Cortes Superiores. Há casos de réus que respondem presos a essas acusações.

Reconhecido pela jurisprudência e doutrina penal, o princípio da insignificância tem o intuito de afastar a tipicidade penal, isto é, afastar a criminalização, em casos de furto ou tentativa de furto que preencha alguns requisitos, como a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 

O objetivo é evitar que condutas de baixo potencial ofensivo sofram os rigores da intervenção penal, que deve ser reservada apenas a condutas que impliquem grave ofensa social.

Veja outros casos recentes que foi preciso recorrer aos Tribunais Superiores para fazer valer a aplicação do princípio da insignificância:

Defensoria obtém decisão do STJ que aplica princípio da insignificância e absolve acusado de furtar 5 latas de refrigerante

Princípio da insignificância: a pedido da Defensoria, STJ concede habeas corpus a homem condenado por tentativa de furto no valor de R$ 50

Furtos de desodorantes, peças de carne e refrigerantes: Defensoria leva casos até Tribunais Superiores para garantir aplicação de jurisprudência do princípio da insignificância

Em recurso apresentado pela Defensoria Pública de SP, STJ aplica princípio da insignificância em caso de furto de pacote de fraldas avaliado em R$ 158,80

Após condenação pela tentativa de furto de 1 kg de carne, Defensoria obtém no STJ a aplicação do princípio da insignificância e a absolvição do réu

Após recurso da Defensoria, STJ aplica princípio da insignificância e absolve acusado de tentativa de furto de caixas de bombom no valor de R$ 85

STF aplica o princípio da insignificância e absolve réu que havia sido condenado a prisão por tentativa de furto moedas no valor de R$ 14

Em habeas corpus ao STF, Defensoria garante aplicação do princípio da insignificância em caso de réu reincidente, acusado por furto avaliado em R$ 29,15

Defensoria Pública vai até STF para garantir aplicação do princípio da insignificância em caso de tentativa de furto de chocolates avaliados em R$ 97