A pedido da Defensoria, Justiça suspende remoção de moradores de imóveis na área conhecida como Cracolândia, em São Paulo
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.
A pedido da Defensoria Pública de SP, a Justiça suspendeu a remoção de famílias que residem em imóveis situados na área conhecida como Cracolândia, na região central de São Paulo, que estava agendada para a próxima quarta-feira (10/3). A decisão ocorreu após a Defensoria ter enviado pedido à Central de Mandados informando sobre a possibilidade de cumprimento de mandados de imissão de posse, em processos que estavam com as ordens suspensas.
Por meio de seus Núcleos Especializado de Habitação e Urbanismo e de Cidadania e Direitos Humanos, a Defensoria fez uma petição solicitando a suspensão dos processos de desapropriação dos imóveis situados no setor 008, quadras 037 e 038 do Distrito de Santa Cecília, na capital paulista – área delimitada pelas Alamedas Nothmann e Cleveland e as Avenidas Rio Branco e Duque de Caxias, no bairro de Campos Elíseos.
A Defensoria argumentou que, embora os mandados de remoção estivessem suspensos por ordem judicial, os moradores do local foram comunicados via oficial de justiça sobre a desocupação. Em e-mail enviado à Central de Mandados, a Defensoria lembrou que o Estado de SP se encontra no pior momento da pandemia de Covid-19, com retorno à fase mais restritiva do Plano SP e com o sistema de saúde à beira de um colapso, o que agravaria ainda mais a situação das pessoas despejadas. “Ressalte-se que as decisões judiciais de suspensão da ordem de imissão na posse, em sua enorme maioria, se fundamentam nos riscos à vida e à saúde decorrentes do deslocamento forçado de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade no atual contexto pandêmico”, sustentou.
Assim, o Juiz Corregedor da Central de Mandados, Antônio Augusto Galvão de França, acolheu o pedido da Defensoria e reconheceu a suspensão de todas as ordens de remoção, determinando o recolhimento de todos os mandados e cancelando a remoção marcada para 10/3.
Denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
Na última semana, a Defensoria e a organização não-governamental Conectas encaminharam à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) uma denúncia em face do estado brasileiro, fundada em violações de direitos de pessoas em extrema situação de vulnerabilidade social que habitam a região conhecida como Cracolândia, na região central da Capital paulista.
O documento visa a resguardar, em meio ao recrudescimento da pandemia, a integridade de cerca de 375 famílias que atualmente habitam as quadras 37 e 38. “A região é objeto constante de intervenções por parte do poder público, bem como de projetos urbanísticos, os quais consideram iniciativas de requalificação urbana de bairros degradados com estímulo à valorização imobiliária, mas pouco ou quase nada contemplam no sentido de acolher e amparar seus moradores de baixa renda e, principalmente, de acolher e tratar as pessoas que fazem uso problemático de drogas e que ocupam suas ruas”, afirmam os signatários da petição. Pela Defensoria paulista, assinaram o documento os/as Coordenadores/as do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos, Fernanda Penteado Balera, Letícia Marquez de Avelar e Davi Quintanilha Failde de Azevedo, e do Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo, Vanessa Chalegre Andrade França, Allan Ramalho Ferreira e Rafael Negreiros Dantas de Lima.
“A situação é, portanto, grave, já que a remoção das famílias irá acontecer sem que estejam planejadas as ações de habitação, assistência social e saúde que serão implementadas para cada um dos moradores, e apresentadas as metodologias de monitoramento, orçamento e cronograma de execução das respectivas ações”, pontuaram em outro trecho do texto enviado à comissão internacional.
Na petição é solicitado que a CIDH conceda medidas cautelares determinando ao Estado do Brasil que adote todas as medidas necessárias para preservar a vida, integridade física, a dignidade e os bens dos moradores do local, especialmente de crianças, imigrantes, idosos, mulheres, pessoas com deficiência e migrantes; suspenda imediatamente as ordens de remoção forçada das famílias que habitam as quadras 37 e 38 e da população em situação de rua ali instalada até que seja comprovada a existência do devido planejamento adequado para sua execução mediante prévio atendimento habitacional, assistencial e de saúde das famílias, especialmente as populações vulneráveis (idosos, crianças e pessoas com deficiência) e que seja comprovada a convocação de número adequado servidores públicos dos mais diversos setores envolvidos (psicologia, assistência social, assistência jurídica, assistência à criança, assistência ao idoso, assistência à pessoa com deficiência, trabalho, habitação etc.) para o acompanhamento e orientação prévios. Pedem também que a Comissão assegure que pessoas já removidas compulsoriamente tenham acesso ao atendimento habitacional, de assistência social e de saúde, conforme cadastros realizados pelo poder público.
O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos e sujeito à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Comissão, por sua vez, é seu órgão processante, responsável por analisar denúncias encaminhadas e determinar eventuais medidas cautelares de urgências.