Após ação da Defensoria e do MPF, Justiça obriga o Estado de SP a apresentar um plano de combate e prevenção à tortura em até 120 dias
Estado deve realizar reuniões consultivas para elaboração do cronograma de implementação
Foto tirada durante inspeção do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura mostra presos em posição de 'procedimento' em unidade prisional no RN l Foto: Acervo do MNPCT, 2022
A Defensoria Pública de SP e o Ministério Público Federal (MPF) conseguiram uma liminar favorável na ação civil pública (ACP) que pedia a implementação, pelo governo do Estado, do Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. A Justiça Federal determinou que seja apresentado um plano de criação em até 120 dias.
No mês de abril, a DPE-SP e o MPF solicitaram à Justiça que determinasse ao Estado de São Paulo e à União a apresentação de um plano de instituição do Comitê e do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. Enquanto o primeiro tem função consultiva, o segundo é encarregado de realizar vistorias periódicas em estabelecimentos de privação de liberdade e requerer investigações sobre violações de direitos, entre outras responsabilidades.
A juíza federal Luciana Ortiz Tavares Costa Zanoni, da 8ª Vara Cível Federal de SP, acolheu parcialmente o pedido de liminar da ACP, determinando ao governo estadual a elaboração de um cronograma para a implementação desses dois órgãos no prazo de 120 dias, sob pena de multa de 100 mil reais, em caso de descumprimento de cada etapa prevista no plano.
Ainda segundo a liminar, o Estado deve apresentar um cronograma em até dez dias, detalhando as etapas para cumprimento da decisão, incluindo datas, horários e locais das reuniões com órgãos federais, Defensoria estadual e o MPF. A União, por sua vez, deverá cooperar e acompanhar a execução da medida.
Sistema Nacional
A Lei 12.847/13, que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, prevê a execução descentralizada das medidas de fiscalização, por meio da atuação conjunta com os sistemas estaduais. Essas estruturas são consideradas as principais ferramentas de ação antitortura, uma vez que asseguram a realização de inspeções frequentes aos locais de detenção e internação, com independência funcional e recursos suficientes para o exercício dessas atividades.
“Em um país de dimensões continentais e tão diverso quanto o Brasil, a atuação mais próxima e constante dos órgãos estaduais permite a resolução mais célere dos casos e o combate mais adequado às causas das violações de direitos humanos”, destacaram o MPF e a DPESP. “Apenas com a existência de mecanismos estaduais será possível prevenir, detectar e reprimir as situações de tortura”, argumentam as autoras e autores da petição.
Pela Defensoria, assinaram a ação as defensoras públicas Fernanda Balera, Cecília Ferreira e Surrailly Youssef, do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos, Camila Tourinho e Diego Polachini, do Núcleo Especializado de Situação Carcerária, e Ligia Mafei Guidi, Gabriele Bezerra e Gustavo Samuel dos Santos, do Núcleo Especializado da Infância e Juventude.
Com a petição inicial, foi juntado relatório apresentando o Diagnóstico das Inspeções do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria no sistema carcerária do Estado, resultado de 130 inspeções. “O relatório descreve minuciosamente um cenário devastador, no qual seres humanos são submetidos a toda sorte de privações e tratamentos cruéis e degradantes, com relatos da maior gravidade, a ensejar medidas adicionais que sejam capazes de desmantelar esse “estado inconstitucional de coisas”, em face dos princípios da dignidade humana, não podendo a pena ter finalidade que não seja essencialmente a especial, que consiste, unicamente, em propiciar que seu cumprimento permita uma vida futura sem a prática de novos crimes", observou a juíza.
Maior população carcerária do país
Em 2023, mais de 202 mil pessoas estavam sob custódia do Estado de São Paulo. O contingente refere-se não só ao sistema prisional (com 196,6 mil detentos), mas também a outras instituições voltadas à privação de liberdade, como centros de atendimento socioeducativo, serviços de acolhimento terapêutico e hospitais psiquiátricos. O Mecanismo Estadual a ser criado deve ter atribuição para vistoriar todos esses locais e entidades privadas com a mesma finalidade.
Apesar de concentrar a maior população carcerária do país, o estado paulista vem recusando iniciativas para criação do Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. Em 2019, o Executivo rejeitou uma proposta de adesão ao Sistema Nacional e vetou um projeto de lei aprovado na Assembleia Legislativa para a criação do Comitê e do Mecanismo em nível local. Passados cinco anos, o veto continua pendente de análise pelos deputados.
As obrigações do Estado Brasileiro na repressão à tortura estão fixadas tanto na Constituição quanto em acordos internacionais que o país assinou, entre eles a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. A criação dos mecanismos de prevenção e combate é um dos principais deveres dos governos federal e estaduais para o enfrentamento às condições crônicas de superlotação, insalubridade e violência às quais detentos e internos estão submetidos no Brasil.