Justiça reconhece paternidade de homem trans em caso de inseminação artificial caseira
Decisão judicial assegura direitos parentais em contexto de reprodução assistida e reafirma o vínculo socioafetivo entre pai trans e filha
Imagem: senivpetro (Freepik)
A Defensoria Pública de SP obteve uma decisão judicial que reconheceu a paternidade de um homem trans, cuja gravidez da esposa aconteceu após técnica de inseminação artificial caseira. A decisão determinou, ainda, a inclusão do nome do genitor e dos avós paternos no registro de nascimento da criança.
A ação foi inicialmente proposta por Carolina* e Mariana*, que, casadas desde 2019, planejaram ampliar a família. Sem condições financeiras para arcar com o custo da fertilização in vitro, optaram pela inseminação artificial caseira, método alternativo pelo qual Carolina engravidou e deu à luz Fernanda*.
Embora o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tenha normativa no sentido de permitir reconhecimento extrajudicial de filiação socioafetiva e o registro de filhos concebidos por reprodução assistida, o Cartório de Registro Civil recusou o registro de Fernanda em nome de ambas as mães, alegando a necessidade de decisão judicial.
Diante disso, a Defensoria Pública ajuizou uma ação declaratória de maternidade, fundamentada na presunção legal do artigo 1.597, V, do Código Civil, que reconhece como filhos do casamento aqueles concebidos por inseminação artificial heteróloga. Também foi ressaltado que o Provimento nº 63/2017 do CNJ autoriza o registro extrajudicial de filhos havidos por reprodução assistida, abrangendo casais homoafetivos e heteroafetivos, sem a necessidade de autorização judicial.
"É importante que se registre que a presente ação busca a declaração de dupla maternidade, exatamente como permitido pelo provimento CNJ, caso a autora tivesse condições econômicas para realizar o procedimento tradicional de reprodução assistida em clínica especializada. Não seria justo nem jurídico que às autoras fosse negado o direito de reconhecer tal filiação por razões socioeconômicas, violando, com isso, o princípio constitucional da igualdade", apontou a defensora pública Maria Beatriz de Alcantara Sá, responsável pelo caso inicialmente.
Durante o curso do processo, Mariana realizou a transição de gênero, passando a se identificar como homem trans e adotando o nome Flávio*. Por conta dessa mudança, o defensor Rafael Rocha Paiva Cruz ajustou o pedido na ação, solicitando a declaração da paternidade de Flávio em relação a Fernanda.
Após estudos psicológicos que comprovaram o vínculo socioafetivo entre Flávio e Fernanda, e com parecer favorável do Ministério Público, a juíza Vanessa Aufiero da Rocha, da 2ª Vara da Família e Sucessões de São Vicente, destacou em sua decisão que “a situação fática já consolidada e benéfica à criança deve ser prontamente reconhecida e o afeto reconhecido, honrado e tutelado”.
A sentença acolheu integralmente os pedidos da Defensoria Pública, declarando Flávio como pai de Fernanda e determinando a inclusão de seu nome no registro de nascimento da criança, bem como o nome dos avós paternos.
*nomes fictícios