Após recurso da Defensoria, TJSP decide que abordagem de guarda municipal a pessoas em situação de rua sem motivação é ilegal
Tribunal reconheceu ilegalidade e absolveu mulher que havia sido condenada por desacato
Defensora argumentou que, segundo a Constituição, guardas municipais não possuem competência para proceder à revista pessoal de cidadãos l Foto: Prefeitura de Campinas
“Não é lícita a atuação de guardas municipais quando saem em missão de abordar e revistar moradores de rua, mormente quando surpreendidos dormindo e sem qualquer sinal de que poderiam estar praticando crimes”. Esta foi a decisão da 16ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado (TJSP) ao acolher argumento da Defensoria Pública de SP e absolver uma mulher em situação de rua.
A mulher havia sido condenada a 10 meses e 24 dias de detenção em regime semiaberto por desacato e lesão corporal. O fato teria ocorrido contra dois agentes da Guarda Municipal de Campinas que, em dezembro de 2019, em uma ação nomeada “operação Natal”, a abordaram. Em juízo, a acusada afirmou que apenas se defendeu das agressões sofridas.
A defensora pública Tatiana Elisa Beraquet interpôs recurso à decisão, pugnando pela nulidade da sentença e absolvição da ré sob o argumento de que houve ilicitude da atuação da guarda municipal, tese defensiva que foi ignorada na sentença condenatória. A 16ª Câmara Criminal do TJSP acolheu o pedido e anulou a sentença, determinando que o juízo de origem proferisse outra que enfrentasse a tese da Defensoria. Porém, a nova sentença manteve a condenação, o que ensejou nova apelação à Corte estadual por parte da Defensoria, reiterando a ilicitude da ação da Guarda Municipal e pedindo a absolvição da ré por atipicidade da conduta, pois reagia em legítima defesa à abordagem ilegal.
Em seus argumentos, a defensora observou que “os guardas municipais não possuem competência para proceder à revista pessoal dos cidadãos, eis que sua atuação se restringe à preservação dos bens, serviços e instalações municipais”, de acordo com o que dispõe a Constituição Federal (artigo 144, parágrafo 8º). Apontou ainda que “a prisão foi pautada em uma simples ‘atitude suspeita’, situação que não configura flagrante delito”. Tatiana Elisa Beraquet sustentou ainda que não houve qualquer motivação legítima para a abordagem, uma vez que, conforme relato dos próprios agentes, eles não presenciaram prática de crime.
No acórdão, o relator, desembargador Otávio de Almeida Toledo, acolheu os argumentos da defesa e deu provimento ao recurso, reconheceu a ilegalidade da ação dos guardas municipais e absolvendo a acusada.
“Duas conclusões relevantes atestam a flagrante ilegalidade da atuação dos guardas civis: a primeira, que não havia fundada a razão para suspeita da prática de crime; e a segunda, que não é aceitável, até em termos de preservação da dignidade humana, que agentes estatais – que sequer eram policiais! – fossem destacados, específica e expressamente, para incomodar pessoas miseráveis em situação de rua, abordando-os e revistando-os arbitrariamente apenas para liberarem as ruas do centro para as compras de época do Natal”, manifestou o magistrado, cujo voto obteve unanimidade no colegiado.