Defensoria Pública de SP faz apelo à ONU por apuração de caso de jovens mortos por policiais militares

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”

Publicado em 12 de Novembro de 2014 às 07:00 | Atualizado em 12 de Novembro de 2014 às 07:00

A Defensoria Pública de SP enviou na última segunda-feira (10/11) um apelo urgente à ONU (Organização das Nações Unidas) para que adote todas as medidas possíveis para acompanhar e garantir uma completa investigação sobre as mortes de quatro jovens moradores da comunidade de São Remo, na zona oeste da Capital paulista, mortos por policiais militares na noite de 6/9.
 
O documento pede também a intervenção para que as autoridades brasileiras tomem medidas preventivas contra execuções perpetradas por policiais e relatem seus achados ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.
 
O texto é endereçado a Christof Heyns, Relator Especial da ONU sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias, e assinado pelos Defensores Públicos Samuel Friedman, Coordenador da Regional Infância e Juventude; Letícia Marquez Avelar, Fernanda Penteado Balera e Rafael Lessa Vieira de Sá Menezes, Coordenador do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos.
 
Suposto confronto
 
Segundo o documento, as mortes dos rapazes – de 16, 17, 18 e 21 anos de idade – foram registradas oficialmente pela Polícia Militar como decorrentes de um tiroteio com policiais. De acordo com a versão oficial, eles ocupavam um carro usado em roubos dias antes. O veículo teria sido visto na comunidade de Rio Pequeno e perseguido por duas viaturas policiais por cerca de 10 km até a cidade de Cotia.
 
Ainda segundo o relato oficial, quando uma das viaturas alcançou o carro, os dois jovens nos bancos da frente teriam saído do veículo e atirado contra os policiais, que revidaram. A outra viatura teria chegado por trás e começado a disparar contra os rapazes no banco traseiro.
 
Familiares dos jovens relataram à Defensoria que eles haviam ido a uma festa perto de suas casas na noite das mortes. Vizinhos relataram que viram os rapazes sendo abordados pela PM e levados em uma viatura. Durante reconhecimento do corpo de um dos rapazes, seus irmãos notaram que ele havia sido alvejado por ao menos 13 tiros. Parte da pele do peito fora cortada no formato de um sorriso, e todos os dentes da sua arcada inferior haviam sido arrancados.
 
Nos dias 7 e 8/9, os familiares e vizinhos começaram a receber mensagens nos celulares com fotos dos corpos dos jovens nas cenas das mortes. No plano de fundo de uma das imagens, é possível ver um policial uniformizado.
 
Investigações
 
O documento enviado à ONU afirma que foi aberto pela PM um procedimento interno segundo o qual três dos policiais envolvidos haviam aparecido várias vezes em procedimentos anteriores sobre mortes de civis. De acordo com o novo procedimento, os quatro jovens receberam ao todo 30 tiros; várias cápsulas vazias de balas foram encontradas perto das viaturas da PM, mas só duas perto da traseira do carro das vítimas, em posição inconsistente com a versão oficial do tiroteio.
 
Os Defensores Públicos relatam diversas outras inconsistências, como o grande número de marcas de tiro no para-brisa do carro dos jovens, contraditório à versão de que eles teriam saído do carro para trocar tiros com os policiais; assim como o fato de um dos corpos ter sido fotografado dentro do veículo e outro caído para fora, mas com os pés para dentro do carro. Também apontaram o elevado número de marcas de tiro em áreas vitais do corpo das vítimas, a ausência de ferimentos nos policiais e de danos às viaturas.
 
Mapa da Violência
 
O apelo à ONU apresenta dados de estudos sobre a violência no Brasil, como os apresentados pelo “Mapa da Violência 2014 – Os Jovens do Brasil”, da Secretaria Nacional da Juventude. Segundo o Mapa, em 2012 houve 112.709 mortes violentas no Brasil – sendo 56.337 homicídios confirmados – e 152.013 mortes por causas externas não especificadas. Entre os jovens, 38,7% morreram em decorrência de homicídios confirmados.
 
Outro estudo mencionado é o “Desigualdade Racial e Segurança Pública em São Paulo – Letalidade policial e prisões em flagrante”, desenvolvido pelo Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). Os Defensores afirmam que, segundo o estudo, os quatro jovens mortos são o “perfil exato” das pessoas vulneráveis às mortes violentas causadas pelas polícias de São Paulo: são do sexo masculino (assim como 97% das outras vítimas), negros (61% também são) e jovens (56% dos mortos têm de 15 a 24 anos). E 96% dessas mortes foram causadas pela Polícia Militar.

Os dados confirmam as estatísticas publicadas nesta semana no 8º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, segundo o qual as polícias brasileiras mataram em média seis pessoas por dia nos últimos cinco anos.