Violência doméstica

Após ação da Defensoria, TJ-SP veda exigência de medida protetiva para incluir em programa habitacional mulheres em situação de violência doméstica

Resultado beneficia mulher que estava sendo impedida de receber o benefício por não haver decisão judicial de deferimento de medida protetiva

Publicado em 25 de Março de 2022 às 14:38 | Atualizado em 29 de Março de 2022 às 14:36

Fachada do Tribual de Justiça de São Paulo, localizado na Praça da Sé, região central da capital paulista. Foto: TJ-SP

Fachada do Tribual de Justiça de São Paulo, localizado na Praça da Sé, região central da capital paulista. Foto: TJ-SP

A Defensoria Pública de SP obteve no Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP) decisão em favor de uma mulher contemplada em política habitacional voltada para mulheres em situação de violência doméstica, mas que estava sendo impedida de receber o benefício por não haver decisão judicial de deferimento de medida protetiva.

Nos autos do processo, conta que, após ter-se inscrito no programa habitacional Minha Casa Minha Vida, Maria (nome fictício) teve atendimento priorizado da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab), por se enquadrar como vítima de violência doméstica, sendo contemplada com a promessa de um imóvel. Na ocasião, ela apresentou todos os documentos solicitados relativos à sua situação de violência doméstica.

Na data prevista para a entrega do imóvel, Maria foi novamente questionada se esta viveria em situação de violência doméstica, confirmando a informação. Respondeu que, por receio de colocar a vida dela e de seus filhos em risco, uma vez que reside em uma região dominada pelo crime organizado, não solicitara medidas protetivas. Informou, ainda, que realizava acompanhamento em um Centro de Defesa e Violência Doméstica.

Nos relatórios do centro de defesa, entregues à Cohab, está demonstrado que Maria vive em situação de violência doméstica, tendo chegado a lavrar boletim de ocorrência, registrados em uma Delegacia distante de sua residência em razão do receio de sofrer represálias. Ela contou que não ofereceu representação judicial porque teme que seu agressor e pessoas ligadas a ele reajam negativamente.

Mesmo assim, Maria foi comunicada que, para a entrega do imóvel, seria necessário apresentar cópia de decisão judicial que justificasse a existência de violência doméstica. Ela buscou amparo judicial da Defensoria Pública que, após tentativa infrutífera de uma solução extrajudicial, ajuizou ação contra a Cohab.

“As políticas públicas habitacionais voltadas para as vítimas de violência doméstica não podem exigir exclusivamente a apresentação de medida protetiva deferida judicialmente, uma vez que, como é cediço, na maioria dessas situações as mulheres não procuram a Justiça por medo de retaliação do agressor, como no presente caso, ou por diversos outros motivos como dependência econômica e social, preocupação com os filhos, vergonha da exposição”, argumentou o Defensor Público Rafael Lessa Vieira de Sá Menezes. Ele acrescentou que o relatório de atendimento pela rede socioassistencial é suficiente para comprovar a condição de vítima de violência doméstica e deve ser aceito para esta finalidade.

Em Juízo de primeiro grau, o pleito foi indeferido, e a Defensoria Pública recorreu da decisão.

“De nada adiantaria ir ao Judiciário para conseguir uma medida protetiva de urgência com o objetivo de mudar-se para o imóvel se esta mudança dificilmente aconteceria, uma vez que seu agressor, juntamente de pessoas ligadas a ele, poderia tomar medidas definitivas contra sua vida ou a vida de seus filhos. Por tal razão, para Maria, sua maior chance de proteção é mudar-se para um ambiente distante de toda esta toxicidade, para finalmente ter uma vida tranquila e sem tantos medos, rompendo, finalmente, este dolorido ciclo de violência doméstica em que está inserida”, pontuou a Defensora Pública Yasmin Oliveira Mercadante Pestana, responsável pela apelação. “Ademais, não é como se a apelante não possuísse nenhum documento que comprovasse suas alegações sobre ser vítima de violência doméstica, pois possui relatório de atendimento realizado pela rede socioassistencial”, complementou.

No acórdão, a 8ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, em votação unânime, deu acolheu os argumentos da Defensoria, determinando que a Cohab adote “como critério de priorização do programa habitacional ao qual Maria está inscrita o fato de ela ser vítima de violência doméstica, tendo, como método de aferição, a apresentação do relatório da rede de saúde, assistência social e enfrentamento à violência doméstica, aceitando-se, no caso, como prova da evidência de que a autora é vítima de violência doméstica, o Relatório do Centro de Defesa e Violência Doméstica” em que foi acolhida.

“Pelos documentos reunidos nestes autos, há demonstração suficiente de que a autora é potencialmente vítima de violência doméstica. E desnecessário, na hipótese, que a comprovação da violência sofrida se faça por meio de decisão judicial definindo medida protetiva”, ressaltou o Relator do processo, Desembargador Antonio Celso Faria.