Visibilidade Trans: Após ação da Defensoria, boletins de ocorrência deverão constar informações sobre identidade de gênero e orientação sexual

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.

Publicado em 29 de Janeiro de 2021 às 06:00 | Atualizado em 29 de Janeiro de 2021 às 06:00

Na semana do Dia da Visibilidade Trans, celebrado no dia 29/1, a Defensoria Pública de SP obteve uma decisão liminar que determina que sejam inseridos os campos “identidade de gênero” e “orientação sexual” nos sistemas RDO (Registro Digital de Ocorrência) Infocrim e nos boletins de ocorrência eletrônicos realizados nas delegacias do Estado de São Paulo, a serem preenchidos de forma obrigatória pelos/as profissionais de segurança pública, mas de maneira opcional às pessoas entrevistadas. A decisão prevê, ainda, o prazo de 60 dias para que as medidas sejam implementadas.
 
A ação foi proposta no mês de dezembro pelo Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria, com intuito de aprimorar os mecanismos de pesquisa dos sistemas digitais de registros de ocorrência policial em relação a casos envolvendo a comunidade LGBTI, melhorando, assim, o atendimento e o acolhimento da população LGBTI, sobretudo das mulheres trans, no sistema de segurança pública. 
 
Segundo consta na ação, os registros e mecanismos de pesquisas, para fins estatísticos e de consulta para realização de políticas públicas, são insuficientes. Hoje, não é possível identificar, por exemplo, pelos sistemas da Secretaria de Segurança Pública que alimentam as estatísticas criminais, quais crimes são cometidos contra a população LGBTI, pois o RDO e o Infocrim não informam quantas mulheres (travestis, mulheres trans e lésbicas) sofrem violências, em contexto doméstico/familiar ou não, e os sistemas também não são capazes de fornecer informações sobre os crimes provocados em razão de preconceito decorrente de orientação sexual ou identidade de gênero.
 
Para as Defensoras Yasmin Oliveira Mercadante Pestana e Isadora Brandão Araujo da Silva e para o Defensor Vinicius Conceição Silva Silva, que assinam a ação, a inclusão desses campos e o aperfeiçoamento dos mecanismos de filtragem das pesquisas são essenciais para combater a subnotificação dos casos de discriminação LGBTfóbica que são notificados, porém não são registrados adequadamente. "Tais campos são de extrema importância, seja para obter mais dados que ajudem no combate à violência contra as pessoas LGBTI, que infelizmente são alvos dos índices alarmantes de violência em nosso país, seja para dar maior dignidade a estas pessoas no momento de preencherem suas informações", afirmam.
 
Decisão
 
Na decisão, o Juiz Enio José Hauffe, da 15ª Vara da Fazenda Pública da Capital pontuou que as normas constitucionais, definidoras de direitos e garantias fundamentais – e dentre as quais se destaca o princípio da dignidade humana -, têm eficácia plena e aplicação imediata, devendo ser fielmente observadas pelos membros da sociedade e, em especial, pelas autoridades públicas.
 
“No mundo dos fatos, entretanto, o Brasil pena para se estabelecer como uma democracia efetiva, capaz de assegurar o convívio na diversidade e o respeito às múltiplas formas de ser e de se expressar. O racismo estrutural, o machismo, o preconceito contra os pobres, contra as comunidades indígenas e quilombolas, a xenofobia e outras formas de discriminação são expressões perenes de uma sociedade marcada pelo autoritarismo, pela violência em suas variadas formas e pela abissal desigualdade social, esta que nos faz um dos países mais injustos do mundo”, consignou o Magistrado.
 
 
Ele também destacou a histórica luta da comunidade LGBTI pela afirmação de seus direitos e pelo reconhecimento de sua dignidade, luta essa marcada por um processo de “invisibilização” e de violência simbólica. “Na sociedade brasileira, ainda muito conservadora (e, em certos aspectos, reacionária) em relação a costumes, esses grupos seguem marginalizados, inclusive no âmbito institucional. Eles não são mencionados na Constituição Brasileira. A produção legislativa na defesa de seus direitos é praticamente nula. As maiores conquistas do movimento LGBT se deram no âmbito da jurisprudência, com destaque para as decisões do Supremo Tribunal Federal” pontuou o Magistrado.
 
O Juiz também apontou que, na ação, ficou demonstrado que a inserção dos campos “identidade de gênero” e “orientação sexual” nos sistemas RDO, boletins de Ocorrência e INFOCRIM permitirá dimensionar corretamente o grau de violência que a população LGBTI sofre, especialmente no que se refere aos chamados crimes de ódio, “o que contribuirá decisivamente no desenvolvimento de estratégias para melhor garantir a segurança e a vida digna e livre de discriminação e violência ao grupo”. Também apontou que a medida atende ao princípio maior da dignidade humana e dos direitos à igualdade, à vida, à liberdade e à segurança pessoal. “Os direitos fundamentais não podem ser reconhecidos paulatinamente, ou pela metade. Pelo contrário, reitere-se: eles têm eficácia plena e aplicabilidade imediata, por injunção da própria Constituição (art. 5º, § 1º)”.
 
Assim, concedeu decisão liminar para que a Secretaria de Segurança Pública do Estado de SP providencie a inserção dos campos “identidade de gênero” e “orientação sexual” nos sistemas RDO, Boletins de Ocorrência e INFOCRIM, de preenchimento obrigatório pelos profissionais de segurança pública, mas opcional aos entrevistados, respeitando a autodeclaração das pessoas.