Após atuação da Defensoria, TJSP declara inconstitucionalidade de dispositivo que previa leitura da Bíblia antes de sessões legislativas
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) declarou a inconstitucionalidade de normas que previam a leitura de versículo da Bíblia e a “invocação à proteção de Deus” antes de trabalhos da Câmara Municipal de Itapecerica da Serra.
A decisão, proferida neste mês, julgou procedente Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pela Procuradoria-Geral de Justiça do Estado (PGJ), após provocação do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial (Nuddir) da Defensoria – que tomou conhecimento do caso a partir de contato feito por uma liderança de comunidade tradicional de matriz africana na cidade.
Atuando também como amicus curiae (“amigo da corte”) no processo, a Defensoria Pública pediu o reconhecimento da inconstitucionalidade dos dispositivos, que constam do artigo 140 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Itapecerica da Serra – Resolução nº 105/2010.
País laico
Por meio do Nuddir, a Defensoria argumentou que o Brasil é um Estado laico, devendo assumir uma posição neutra no campo religioso. No entanto, as normas em questão significam a adoção de religião de origem cristã como se fosse oficial, violando dispositivos constitucionais (art. 19, incisos I e III) que vedam aos entes federativos estabelecer cultos religiosos ou criar preferências entre brasileiros.
“Ao tratar da laicidade, o ordenamento constitucional assume o compromisso de preservar e garantir a proteção a toda e qualquer religião, assegurando aos cidadãos a liberdade de consciência e de crença, sem, por outro lado, prestigiar, quando do trato com a coisa pública ou quando do exercício de poder político, uma religião em detrimento de outra”, afirmou na manifestação o Nuddir, representado pelo Defensor Paulo Giostri.
A Defensoria também apontou que os dispositivos questionados violam o princípio da impessoalidade da administração pública, já que a leitura de passagens bíblicas e a invocação à proteção de Deus são manifestações de crenças individuais e não podem estar ligadas ao exercício da atividade pública.
No mesmo sentido, a PGJ argumentou que não compete ao Legislativo criar preferência por determinada religião, e que a norma questionada, por seu caráter discriminatório, não condiz com a igualdade, a finalidade e o interesse público.
Decisão
Em seu voto, o Desembargador Relator, Ferreira Rodrigues, ressaltou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a garantia do Estado laico impede que dogmas da fé determinem o conteúdo de atos estatais (ADPF 54, ADI 5257 e ADI 3478).
Por unanimidade, os Desembargadores do Órgão Especial acolheram o pedido e julgaram a ação procedente, declarando a inconstitucionalidade do “caput” e do § 2º do artigo 140 da Resolução nº 105/2010, de Itapecerica da Serra, em sua redação original e na conferida pela Resolução nº 131/2015, e também da expressão “antes da leitura de um versículo de um dos livros da Bíblia Sagrada”, constante do § 1º do mesmo dispositivo.
Referência: ADI nº 2030657-56.2021.8.26.0000