Prerrogativa de requisição de documentos por defensores públicos, em pauta no STF, é tema de seminário da Defensoria de SP e da Anadep

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.

Publicado em 9 de Novembro de 2021 às 16:30 | Atualizado em 9 de Novembro de 2021 às 16:30

Foi realizado nesta terça-feira (9/11) o seminário “A prerrogativa de requisição das Defensorias Públicas: conformação constitucional e a promoção do acesso à justiça às populações marginalizadas”, que buscou abordar a importância de Defensores e Defensoras poderem requisitar documentos de órgãos públicos necessários para a sua atuação.
 
Realizado pela Escola da Defensoria Pública de SP (Edepe) e a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), o evento, transmitido nos canais da Defensoria Pública e da Anadep no Youtube, contou com cerca de 50 visualizações simultâneas. Clique aqui para assistir. 
 

 O Defensor Público-Geral de São Paulo, Florisvaldo Antonio Fiorentino Júnior, disse que o contexto atual impõe a necessidade de se discutir a imprescindibilidade da Defensoria Pública como instrumento do regime democrático e do acesso à Justiça no Brasil. Apontou que diversas ações diretas de inconstitucionalidade propostas pela Procuradoria Geral da República questionam a prerrogativa de requisição prevista em diversas leis orgânicas estaduais e também na Lei Complementar nº80/1994. "Há um trabalho intenso das Defensorias Públicas de todo o País para defesa desta prerrogativa de requisição, que viabiliza condições jurídicas adequadas e acesso a informações e documentos sem os quais a Defensoria não conseguiria promover um acesso à Justiça mais amplo e mais inclusivo, tanto na perspectiva de defesa de direitos individuais, como direitos coletivos".

 
Florisvaldo também falou sobre a experiência de São Paulo, em que o manejo das requisições foi importante para identificar gargalos de atuação e, assim, definir fluxos para uma atuação mais estratégica e menos burocratizadas. “Temos experiências ótimas, que evoluíram para parcerias muito importantes com o Banco Central, Fundação Casa, Secretaria de Justiça. Essa parcerias oportunizam respostas mais rápidas, que geram menos dispêndios para o usuário”.
 
Na abertura dos trabalhos, o Diretor da Edepe, Guilherme Piccina, relembrou que diversas ações propostas no Supremo Tribunal Federal nos últimos anos colocaram em xeque a autonomia da Defensoria Pública, muitas das quais foram decididas favoravelmente, fortalecendo a instituição. Assim, o julgamento desta ADI "é mais um round da luta que a Defensoria Pública enfrenta todos os dias".
 
Willian Fernandes, Ouvidor-Geral da Defensoria Pública de SP e Presidente do Colégio Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas também apontou que o Brasil vive um contexto em que é necessário defender os direitos mais basilares, com iniciativas preocupantes, que enfraquecem a instituição. "A Constituição Federal, ao estabelecer como meta uma sociedade livre, justa e solidária, estabeleceu objetivos concretos que devem ser permanentemente buscados. Isso implica criar instrumentos necessários para alcançar esse objetivo, como a Defensoria Pública". Por fim, apontou que a ADI que contesta a prerrogativa de requisição não apenas enfraquece a Defensoria Pública, mas retira uma das garantias de usuários/as do serviço da instituição.
 
Palestra
 
O evento contou com uma palestra do Professor Oscar Vilhena Vieira, Diretor da Escola de Direito da FGV-SP, que apontou que as ADIs interpostas estão de acordo com o processo de recessão democrática por qual passa o Brasil, que visa abalar também a democratização do acesso à Justiça e a direitos. “Sabemos que os direitos estabelecidos na Constituição Federal não são imediatamente implementáveis ou concretizáveis. É necessário haver esforços de todo aparato estatal para que sejam implementados de maneira igualitária. Numa sociedade desigual como a brasileira, o custo do acesso aos direitos deve ser suportado pelo estado, através da Defensoria Pública”.
 
O Professor também apontou que a agressão a direitos que é vista nos dias atuais não se dá por meio de emendas à constituição ou por grandes mudanças legislativas, mas sim por meio de decretos e portarias, que visam desmontar as estruturas criadas pelo estado para assegurar direitos. “O ataque é institucional, que se dá pela mudança através de decretos, pelo estrangulamento financeiro das instituições, entre outras formas. Essa é a metodologia que vem sendo adotada para atacar o estado democrático de direito. E nesse sentido, não surpreende que também estratégias judiciais sejam empregadas, como é o caso do questionamento da prerrogativa de requisição. Ou seja, o meio pelo qual se busca atacar o direito do acesso à justiça especialmente das populações mais pobres é atacando as Defensorias Públicas”.
 
Oscar Vilhena Vieira também pontuou que a Constituição Federal prevê um amplo rol de direitos sociais, civis e políticos, visando construir um projeto de nação de uma sociedade mais justa, livre e solidária, baseado na consolidação de direitos de grupos que, ao longo da história brasileira, foram deixados à margem do desenvolvimento. “No país, há muitos direitos porque a sociedade é historicamente desigual. Nesse sentido, a Constituição de 1988 é uma contraposição às injustiças, ela é um projeto de transformação da sociedade desigual em uma sociedade mais igualitária, justa e harmônica”.
 
O professor também pontuou que, nos últimos 30 anos, diversos marcos normativos apontam para mudanças no papel das Defensorias Públicas. “O papel das Defensorias Públicas é muito distinto do da advocacia. O papel da advocacia é essencial para as pessoas acessarem seus direitos. Mas numa sociedade desigual como a nossa, se não houver instituições públicas capazes de mobilizar os direitos, a Constituição será apenas uma promessa, que não será cumprida. Por isso, é fundamental que as prerrogativas da Defensoria sejam mais robustas, especialmente para cumprir seu mandato de defesa dos direitos difusos e coletivos.”
 
A controvérsia em torno da prerrogativa de requisição

 

Na segunda parte do evento, a Presidenta da Anadep, Rivana Ricarte, e o Defensor Rafael Ramia Munerati abordaram as controvérsias que estão sendo levantadas acerca da prerrogativa de requisição das Defensorias.
 
Rivana Ricarte apontou que as ações de inconstitucionalidade foram propostas com fulcro em um julgado da década de 90, que questionou lei orgânica da Defensoria do Rio de Janeiro, cujos fundamentos utilizados mudaram significativamente ao longo dos anos. Ela citou que, desde esse julgado, já foi reconhecida a autonomia funcional e administrativa da Defensoria.
 
Ela também citou que o trabalho conjunto das Defensorias e das Associações de Defensores é essencial para o convencimento dos Ministros do STJ. “É preciso que as instituições públicas estejam fortes para mobilizar direitos de uma população que está hipervulnerabilizada. Precisamos de prerrogativas que garantam a efetividade do trabalho. Essa não é uma leitura corporativista, a prerrogativa que defendemos é da sociedade. É necessário que o estado-defensor tenha a mesma paridade de atuação que o estado-acusador”.
 
Rafael Munerati também ressaltou a importância da atuação conjunta entre as instituições para manter as garantias para atuação da Defensoria. Ele também apontou a confusão que há na comparação da atuação da Defensoria Pública com a advocacia privada, que precisa ser superada. Também é necessário superar o entendimento aventado na década de 90, de que o Defensor Público seria apenas um advogado público. “Esse entendimento poderá ser superado explicando aos Ministros a natureza do trabalho da Defensoria Pública. As prerrogativas não são para o Defensor Público, são para os usuários, para o destinatário final da nossa atuação. É preciso haver Defensorias fortes e com essas prerrogativas para poderem exercer o seu trabalho”.