Após pedido da Defensoria de SP, STJ decide que multa não impede extinção da punibilidade para condenado que não pode pagar

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.

Publicado em 26 de Novembro de 2021 às 09:00 | Atualizado em 26 de Novembro de 2021 às 09:00

Após requerimento da Defensoria Pública de SP, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reverteu posicionamento fixado anteriormente que entendia ser o não-pagamento de multa estabelecida na condenação impeditivo para que a punibilidade fosse considerada extinta. Com o novo entendimento, poderá ser extinta a punibilidade de uma pessoa que cumpriu pena privativa de liberdade, mas não tem condições de pagar a sanção pecuniária imposta pela Justiça.

Ao analisar o recurso da Defensoria paulista, a Terceira Sessão Especial do STJ aprovou por unanimidade o voto do Relator, Ministro Rogerio Schietti Cruz, no sentido de revisar o entendimento firmado anteriormente pelo colegiado no Tema 931, sob a sistemática dos recursos repetitivos, e fixou nova tese nos seguintes termos:

"Na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária, pelo condenado que comprovar impossibilidade de fazê-lo, não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade."

Pessoas em situação de vulnerabilidade

Na petição, a Defensoria ressaltou que a punibilidade por inadimplência da sanção pecuniária atingia em especial a situação de pessoas em situação de vulnerabilidade social e egressas do sistema penitenciário, pois é este grupo que, por não ter condições de pagar a multa estabelecida em Juízo, fica impedido de exercer uma série de direitos.

A Defensoria informou que, entre janeiro de 2020 e maio de 2021, foram ajuizadas quase 74 mil ações de execução de pena de multa em SP. A partir desse dado, a foram analisadas as mais de 4 mil intimações sobre o tema recebidas no Portal eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP) sendo identificado que 53% das ações ajuizadas tratam de cobrança de multa cujo valor não ultrapassa R$ 500; 65% dizem respeito a valores que não ultrapassam R$ 1 mil; 99% dos valores não chegam ao teto de não execução pela Fazenda Estadual; 91% não alcançam o limite de não execução da Fazenda Nacional.

Impedimento ao exercício de direitos

“A não extinção da punibilidade acarreta inúmeros impedimentos de acesso a documentos e programas assistenciais essenciais para a reinclusão social e o exercício da cidadania, por meio de direitos civis e políticos”, sustentaram os Defensores Rafael Ramia Muneratti, do Núcleo Especializado de Segunda Instância e Tribunais Superiores, e Glauco Mazetto Tavares Moreira, Assessor Criminal da Instituição. “Tal postura viola os valores mais comezinhos do Estado Democrático de Direito, que tem na dignidade da pessoa humana um dos seus fundamentos e atinge mortalmente a função precípua da pena.”

Além do Núcleo de Segunda Instância e Tribunais Superiores e da Assessoria Infracional e Criminal, também atuaram no caso o Núcleo Especializado de Situação Carcerária, a 1ª Subdefensoria Pública-Geral, a Defensora Mônica de Mello e os defensores Gustavo Junqueira e Saulo Dutra.

Eles destacaram alguns exemplos de auxílios e benefícios sociais e assistenciais de que as pessoas egressas do sistema prisional que não tinham dinheiro para o pagamento da multa ficariam alijadas, além da impossibilidade de ingressar no mercado de trabalho, exercer seus direitos políticos, entre outros. “Diante de todo esse quadro, é evidente que a função da pena não será observada, mais especificamente, sua função de prevenção especial positiva.”

Sobrepunição

Ao dar provimento ao recurso, o ministro Schietti explicou que o entendimento agora reformado, que não retirava o caráter criminal da pena de multa, de modo que o seu inadimplemento impediria a extinção da punibilidade, ocorreu em função de crimes econômicos e crimes contra a administração pública, vulgarmente conhecidos como "crimes de colarinho-branco".

"O condicionamento da extinção da punibilidade, após o cumprimento da pena corporal, ao adimplemento da pena de multa transmuda-se em punição hábil tanto a acentuar a já agravada situação de penúria e indigência dos apenados hipossuficientes, quanto a sobreonerar pessoas próximas do condenado, impondo a todo o seu grupo familiar privações decorrentes de sua impossibilitada reabilitação social, o que põe sob risco a implementação da política estatal de proteção da família", observou.  

Acesse aqui a decisão.  

Com informações do STJ.