Após ação da Defensoria, Justiça obriga Poder Público a viabilizar cirurgia de alteração corporal a mulher trans
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.
Um pedido formulado pela Defensoria Pública de SP para condenar o Estado e o Município de São Paulo a viabilizarem a uma mulher transexual a realização de cirurgia de plástica mamária foi julgado procedente. A sentença, proferida pela 3ª Vara da Fazenda Pública da Capital, determinou a realização de cirurgia reconstrutiva bilateral, incluindo prótese de silicone bilateral, com acompanhamento pré e pós operatório, nos termos do artigo 13 da Portaria 2803/2013 do Ministério da Saúde.
Giovana (nome fictício) é uma mulher trans que, em razão de sua identidade de gênero, entende como crucial o procedimento de transformação física, com o objetivo de habitar um corpo que represente seu pertencimento à identidade autopercebida, visando atingir estado de saúde e bem-estar físico, psíquico e social. Embora tenha cumprido todos os pré-requisitos necessários para tal cirurgia – ela faz acompanhamento prévio por equipe multiprofissional desde 2015 –, Giovana ainda não foi submetida a tal procedimento ante a recusa dos órgãos estatais de atenção à saúde do município, sob a justificativa de não haver equipamentos habilitados no Estado para a realização do procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Assim, ela procurou a Defensoria Pública, que ajuizou ação, por meio de seu Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial, em face do Estado e do Município, pleiteando que esses entes fossem obrigados a viabilizar pelo SUS a cirurgia pleiteada ou a custear o procedimento em clínica particular. Assinam o pedido as Defensora Públicas Camila Galvão Tourinho e Isadora Brandão Araujo Silva e o Defensor Vinicius Conceição Silva.
Omissão
A Defensoria argumentou que diante da ausência de alternativa fornecida pelo Estado, as pessoas são impelidas a buscar esses procedimentos cirúrgicos em clínicas privadas que, embora ofereçam esses serviços a baixos custos, frequentemente atuam de maneira precária e irregular, situação que impõe enormes riscos à vida e à integridade física das pacientes.
“A omissão do Estado em disponibilizar adequadamente a cirurgia de implante de prótese mamária bilateral de silicone pelo SUS, portanto, aprofunda ainda mais a situação de vulnerabilidade da população trans e travesti, na medida em que coloca em risco sua saúde não apenas física e como também psíquica e emocional”, alertaram Camila, Isadora e Vinicius. “A ausência de equipamento público habilitado para realização da cirurgia pode gerar adoecimento psíquico da requerente na medida em que esta se vê compelida a habitar um corpo que não é compatível com a identidade de gênero autopercebida e socialmente reconhecida.”
Na decisão, o Juiz Marcelo Stabel De Carvalho Han acolheu os argumentos da Defensoria e condenou Estado e Município a viabilizarem a cirurgia pleiteada. “O que se tem, no caso em tela, é a pretensão à concretização do direito fundamental assegurado na Portaria nº 2.803/2013 do Ministério da Saúde, mas que vem sendo sistematicamente negado à população destinatária vulnerável por definição ao fundamento que a Administração não dispõe de equipamento público para seu atendimento”, destacou o Magistrado. “Contudo, tal proceder da Administração constitui afronta aos direitos fundamentais e à dignidade das pessoas transexuais. Assim, considerando que a saúde é prevista na Constituição Federal como direito público subjetivo indisponível e que pode ser exercido de imediato pelo titular, não cabe ao Poder Público negar eficácia a este direito fundamental sob a alegação da reserva do possível.”