Defensoria e entidades ajuízam ação para vedar o uso de tecnologias de reconhecimento facial pelo Metrô de São Paulo

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.

Publicado em 4 de Março de 2022 às 06:30 | Atualizado em 4 de Março de 2022 às 06:30

Com o objetivo de impedir que os 4 milhões de usuários e usuárias diários do Metrô de São Paulo continuem a ter informações sobre seus rostos e expressões coletadas, mapeadas e monitoradas por meio de reconhecimento facial, a Defensoria Pública de SP, em conjunto com outras Defensorias e organizações da sociedade civil protocolaram uma ação civil pública em face da Companhia do Metropolitano de São Paulo. Além da Defensoria paulista, elaboraram a ação a Defensoria Pública da União, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, a organização Artigo 19 Brasil e América do Sul e o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos - CADHu.

As entidades alertam que o sistema de reconhecimento facial implementado pelo Metrô de SP não atende aos requisitos legais previstos na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), no Código de Defesa do Consumidor, no Código de Usuários de Serviços Públicos, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Constituição Federal e nos tratados internacionais.

“A Lei Geral de Proteção de Dados estabelece que tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, deve ter como fundamento o respeito aos direitos humanos, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais (art. 2º), sendo que a atividade de tratamento de dados pessoais deve observar o princípio da não discriminação (art. 6 º), do que decorre a impossibilidade de realização do tratamento para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos”, afirmam os autores e autoras da ação.

A ação civil pública é resultado da análise dos documentos apresentados pelo Metrô de São Paulo no âmbito de uma ação judicial anterior que cobrava informações sobre a implementação do projeto que custou mais de R$ 50 milhões aos cofres públicos e que, entre outras medidas, envolveu a previsão de realização de reconhecimento facial em quem utilizasse o meio de transporte.

Pela Defensoria de SP assinam a ação as Defensoras e Defensores Estela Waksberg Guerrini e Luiz Fernando Baby Miranda (Núcleo Especializado de Defesa do Consumidor), Davi Quintanilha Failde de Azevedo, Letícia Marquez de Avelar e Fernanda Penteado Balera (Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos), Isadora Brandão Araujo da Silva e Vinicius Conceição Silva Silva (Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial), Daniel Palotti Secco e Gustavo Samuel da Silva Santos (Núcleo Especializado de Infância e Juventude).

Discriminação

Parte central da ação aponta que as tecnologias de reconhecimento facial elevam exponencialmente o risco de discriminação de pessoas negras, não binárias e trans já que esse tipo de tecnologia é reconhecidamente falho em sua acurácia e imerso em ambiente de racismo estrutural. O documento sustenta que mesmo os melhores algoritmos dispõem de pouca precisão ao realizar o reconhecimento de pessoas negras e transgênero, que são mais afetadas por falsos positivos e falsos negativos e ficam mais expostas a constrangimentos e violações de direitos.

A ação também questiona o uso de imagem e a coleta e tratamento de dados pessoais sensíveis de crianças e adolescentes, sem que haja o consentimento dos pais ou responsáveis, em frontal violação ao que determina a LGPD, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a proteção constitucional.

Invasão e vigilância

As organizações apontam que a iniciativa está na contramão de medidas de outros países, em especial na Europa e nos EUA, que apontam para uma restrição no uso massivo desse tipo de tecnologia, pelo seu caráter invasivo e seu potencial de estabelecer um cenário de vigilância e monitoramento das pessoas que transitam em espaços públicos. Nos últimos anos, empresas como Microsoft, IBM e Amazon também informaram que vão suspender a venda de soluções de reconhecimento facial para o uso policial, por potencial violação aos direitos humanos.

A ação ainda postula que a Justiça determine ao Metrô a interrupção imediata da realização de reconhecimento facial em suas dependências. Além disso, pleiteia o pagamento de indenização de pelo menos R$ 42 milhões (valor previsto no contrato para implementação dessa tecnologia) em decorrência dos danos morais coletivos pelo prejuízo causado aos direitos de seus passageiros e passageiras.