Após habeas corpus da Defensoria, STJ reafirma que acusado não pode ficar preso apenas porque não tem dinheiro para pagar fiança
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”
A Defensoria Pública de SP obteve uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reafirma os precedentes daquela corte no sentido de que um acusado não pode permanecer preso apenas por não ter dinheiro para arcar com a fiança previamente arbitrada. Em julgamento de habeas corpus, o Ministro Relator Felix Fischer apontou que a decisão segue precedentes da Terceira Seção do STJ, bem como da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
Liminarmente, em abril deste ano, o mesmo Ministro já havia concedido a liberdade ao homem acusado de ter furtado um aparelho celular – e que ficou preso unicamente porque não tinha recursos para arcar com uma fiança fixada no valor de R$ 2 mil. O habeas corpus foi proposto pelo Defensor João Imperia Martini, Coordenador do Núcleo Especializado de Segunda Instância e Tribunais Superiores da Defensoria.
Ao analisar o mérito do caso, o Ministro relembrou o posicionamento consolidado das duas turmas da Terceira Seção do STJ, no sentido de não ser possível a manutenção da prisão cautelar tão somente em razão do não pagamento do valor arbitrado a título de fiança. “Entendo caracterizado o alegado constrangimento ilegal, porquanto condicionada a liberdade do acusado ao pagamento da fiança, muito embora seja considerado juridicamente pobre”, afirmou.
Em sua decisão, o Ministro também apontou que o acusado se encontra em situação de vulnerabilidade, de acordo com o conceito apresentado nas “100 regras de Brasília” - documento aprovado pela Cúpula Judicial Iberoamericana (composta por representantes das Cortes Superiores de Justiça dos países ibero-americanos). Segundo tais regras, “consideram-se em condição de vulnerabilidade aquelas pessoas que (...) encontram especiais dificuldades em exercitar com plenitude perante o sistema de justiça os direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico. (...)”. As “100 regras de Brasília” também consideram a pobreza e a privação de liberdade causas de vulnerabilidade.
A decisão aponta, ainda, caber destacar que “a vulnerabilidade financeira e jurídica encontra-se evidente no caso concreto, pois o paciente está assistido pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo”.
Saiba mais
Casos assim não são raros. É comum que a Defensoria Pública recorra até a Tribunais Superiores em Brasília para obter liberdade para pessoas pobres sem condições de arcar com o custo de fianças, ainda que a lei já determine isso.
Por isso, a Defensoria Pública de SP tem reiterado seu pedido para a criação de uma Súmula do STJ que vede a manutenção de prisão quando a pessoa estiver presa apenas porque é pobre e não consegue pagar o valor da fiança. Veja reportagem recente sobre esse assunto publicada pelo site Consultor Jurídico.
Entre outros exemplos, um homem suspeito de furtar 4 desodorantes ficou 4 meses atrás das grades por ter deixado de pagar um salário mínimo (hoje em R$ 937). A fiança em primeiro grau foi fixada em outubro de 2016, mas o rapaz obteve habeas corpus apenas em fevereiro passado, com liminar no STJ, após atuação da Defensoria.
Outro homem enquadrado por furto simples e porte de drogas poderia deixar a prisão se pagasse R$ 468,50. Sem dinheiro, aguardou dois meses encarcerado até decisão favorável do ministro Jorge Mussi, em abril passado, também após a Defensoria paulista recorrer ao STJ.