Covid-19: Defensoria de SP e outras 15 Defensorias pedem ao STF soltura de mulheres gestantes e lactantes presas em todo o País

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.

Publicado em 4 de Agosto de 2020 às 15:00 | Atualizado em 4 de Agosto de 2020 às 15:00

A Defensoria Pública de SP formulou, em conjunto com outras 15 Defensorias estaduais e o Gaets (Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital nos Tribunais Superiores), recurso ao STF (Supremo Tribunal Federal) após indeferimento de habeas corpus coletivo, postulando que todas as mulheres gestantes e lactantes presas no País sejam soltas ou possam cumprir a pena em prisão domiciliar. 

O objetivo do pedido é, em razão da pandemia do Covid-19, evitar o contágio massivo do vírus nas unidades prisionais. O recurso destaca que os tribunais estaduais vêm negando cotidianamente os pedidos específicos deste público vulnerável, com fundamentos, no entendimento de seus/suas autores/as, distantes da realidade. Há negativas fundamentadas na ausência de danos concretos a evidenciar o risco de contágio das mulheres encarceradas.

Outras decisões utilizam a suposta gravidade do delito para negar a substituição de prisão preventiva por prisão domiciliar, em que pese se trate de crime sem violência ou grave ameaça. Percebeu-se, ainda, decisões fundamentando a manutenção da prisão preventiva – negando-se, portanto, a prisão domiciliar – porque a mulher, apesar de primária, possui passagem anterior.

“Assim, infelizmente, há um descumprimento em massa e generalizado nos tribunais do país em relação à Recomendação nº 62/2020, e em especial à situação das mulheres gestantes e lactantes, hipervulnerabilizadas, assim como os fetos e recém-nascidos nesse período de pandemia”, afirmam os/as signatários do agravo regimental. A Recomendação nº 62/2020 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) orienta aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus no âmbito dos sistemas de Justiça Penal e socioeducativo.

A peça recursal traz casos concretos de decisão que afrontam tanto a recomendação do CNJ quanto o Código de Processo Penal. Em um desses casos, uma grávida, presa por tráfico portando menos de 5g de drogas, teve o habeas corpus negado tanto pelo Tribunal de Justiça de SP (TJ-SP) quanto pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça). Na decisão desta Corte Superior consta que a “afigura-se extremamente açodado e altamente perigoso para toda a coletividade sua liberdade neste momento”. Para fins de comparação, a quantidade de droga apreendida é igual à de um sachê de açúcar.

Pela Defensoria paulista, assinam as Defensoras Públicas Paula Sant’Anna Machado de Souza e Nálida Coelho Monte, Coordenadoras do Núcleo Especializado de Proteção e Defesa dos Direitos das Mulheres, e Leonardo Biagioni de Lima, Mateus Oliveira Moro, Thiago de Luna Cury, Mayara Rossales Machado e Surrailly Fernandes Youssef, do Núcleo Especializado de Situação Carcerária.

Também assinam a ação as Defensorias Públicas de Pernambuco, Pará, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Maranhão, Rondônia, Bahia, Sergipe, Paraná, Espírito Santo, Goiás, Rio De Janeiro, Minas Gerais, Paraíba e Alagoas.

Entrevistas

Em julho, o Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria paulista realizou entrevistas com 10 mulheres gestantes e lactantes presas no Estado, a fim de verificar a situação em que se encontram nesses locais durante a pandemia. Todas as mulheres ouvidas estavam presas por crime sem violência ou grave ameaça (tráfico e furto). Nas situações de tráfico, restou-se evidente a pequena quantidade de entorpecentes apreendida em cada um dos processos. Em apenas duas situações superou 200 gramas de droga. “Isso tudo mostra que as situações concretas não têm sido avaliadas, pois, se de fato o fossem, essas mulheres estariam em liberdade”, concluíram os/as responsáveis pelas entrevistas.

Nessas conversas com as presas, tomou-se conhecimento de situações que evidenciam a falta de atendimentos básicos de saúde, a incidência de doenças e problemas psicológicos entre as gestantes e lactantes, os riscos de saúde aos bebês, as preocupações com a iminente separação dos/as filhos/as, entre outras questões. Uma gestante cujo parto ocorreu na própria cela, sem a presença de profissionais de saúde.

“O parto foi dentro do próprio quarto, da cela. Não deu tempo de chegar a escolta. A senhora (Agente) teve que me auxiliar da forma como ela pôde. Aí teve que amarrar com a gaze o umbigo. A bolsa dele foi dentro de um saco plástico para o hospital. Embrulhamos ele numa coberta e levamos”, relatou a mãe.

Em relação aos serviços de saúde das unidades prisionais femininas de SP, conforme documentação anexada ao processo, observa-se que a maioria delas não possuem equipe mínima de saúde completa. Dados da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) sobre a composição da equipe de saúde de 15 estabelecimentos prisionais femininos apontam que apenas duas unidades têm equipe mínima de saúde e apenas 5 contam com Médico/a.

Números

Dados disponibilizados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) mostram que o número de mulheres presas no país saltou de menos de 5,6 mil para aproximadamente 37 mil entre os anos de 2000 e 2019, ou seja, um aumento de aproximadamente 660% em menos de vinte anos, frente a um aumento de aproximadamente 321% da população prisional total no mesmo período.

Outro dado essencial para entender o panorama do encarceramento feminino diz respeito à quantidade de incidências por tipo penal. Enquanto os crimes relacionados ao tráfico de drogas são responsáveis por 26% do encarceramento masculino, entre as mulheres esse percentual aumenta para 62%. Sendo assim, o tráfico de drogas, crime que não tem a violência ou a grave ameaça como seus elementos constituintes, é de longe a principal tipificação envolvida no encarceramento feminino no país. Some-se a isso que 80% das mulheres estão encarceradas por crime sem violência ou grave ameaça.

Entre as mulheres presas em todo o Brasil, 208 estão grávidas, 44 estão puérperas e 12.821 são mães de crianças com menos de 12 anos de idade, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública disponibilizados em maio.