Aos 36 anos, mulher transexual tem garantido judicialmente o direito a ter nome e gênero femininos nos documentos, após ação da Defensoria

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”

Publicado em 17 de Maio de 2017 às 16:00 | Atualizado em 17 de Maio de 2017 às 16:00

Quando recebeu a notícia de que, depois de 5 meses, uma decisão judicial já havia atendido a seu pedido para que em seus documentos constassem nome e gênero femininos, a reação de Marcela, uma mulher transexual de 36 anos, foi um misto de felicidade e surpresa.
 
“Esperava que demorasse uns quatro, cinco anos, mas foi muito rápido. Fico feliz por hoje ser reconhecida e ter a certeza de que posso chegar em qualquer lugar e não sofrer constrangimentos. Foi uma vitória grandiosa, não tenho palavras”, afirma Marcela sobre a sentença, obtida após ação ajuizada pela Defensora Pública Aline do Couto Celestino.

Dos 36 anos que Marcela já viveu, cerca de 20 deles foram permeados por situações embaraçosas, desde que a mulher nascida com o sexo masculino decidiu assumir sua transexualidade. “Não houve uma descoberta. Sempre me reconheci, desde a infância, como menina. A partir dos 15 ou 16 anos, passei a ter uma mudança na minha vida. Vi que aquele não era o meu caminho e decidi me comportar do jeito como eu queria”, conta.
 
Dali em diante, enfrentou a resistência inicial da família e passou a se vestir e se apresentar como mulher. Ainda levaria anos para que nome e gênero femininos preenchessem seus documentos, mas os amigos já a reconheciam como mulher e passaram a chamá-la pelo nome social de Marcela. No entanto, a disparidade entre documentos e aparência física catalisou uma série de constrangimentos em situações mais formais, como atendimentos médicos ou entrevistas de emprego.
 
“Olham pra mim e não veem a mesma pessoa que está no documento, e não sabem o que fazer”, relata Marcela. Ela identifica nessas ocasiões pitadas de preconceito e despreparo, bem como confusões com o uso dos termos transexual e travesti, fatos que têm dificultado encontrar trabalho em sua área de formação. “Acho que o certo seria perguntar ‘como eu posso te chamar’?”, sugere. Ela é gestora de pessoas e cabeleireira.
 
Em novembro de 2016, Marcela decidiu procurar a Defensoria para tentar pôr fim aos constrangimentos. sentença proferida no final de abril, em Carapicuíbadeterminou que todos os elementos no processo ratificam a identidade de gênero de Marcela e que a mudança nos registros civis era indispensável para consolidar sua condição de mulher transexual.
 
Foi também mencionado o enunciado nº 43 do Conselho Nacional de Justiça, segundo o qual “é possível a retificação do sexo jurídico sem a realização da cirurgia de transgenitalização”. A decisão ressaltou, ainda, que o diagnóstico da transexualidade como doença, apesar de constar de lista classificatória da Organização Mundial da Saúde, é estigmatizante e contraria os Princípios de Yogyakarta, documento da ONU que trata dos direitos da população LGBT.
 
Marcela conta que hoje faz tratamento hormonal sob o acompanhamento de uma médica bastante atenciosa. Mas considera que até hoje os endocrinologistas não têm muito conhecimento sobre como lidar com transexuais.
 
“Hoje as pessoas já não olham mais com tanto preconceito. Mas é preciso ter um pouco mais de respeito com o próximo, independentemente da sexualidade e do gênero. E espero que as pessoas transexuais que lerem esse texto tenham um incentivo para procurarem os mesmos direitos: sermos reconhecidas pelo que nós somos.”