A pedido da Defensoria Pública, interna transexual da Fundação Casa tem garantido direito a transferência para unidade feminina
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”
Uma adolescente transexual que cumpre medida socioeducativa na Fundação Casa teve garantido o direito a ser transferida a uma unidade feminina da instituição, após o Tribunal de Justiça paulista (TJSP) atender no dia 2/10 a um pedido feito pela Defensoria Pública de SP.
Proferida pela Câmara Especial do TJSP em recurso de agravo de instrumento formulado pela Defensora Pública Lígia Cintra de Lima Trindade, a decisão também determina que a jovem seja tratada por seu nome social e prenomes femininos, garante que ela mantenha os cabelos longos, possa vestir roupas femininas e seja revistada por mulheres.
A Defensoria Pública argumentou que ela não se identifica com o sexo biológico (masculino), possui todas as características femininas e se comporta como mulher, fazendo com que sua presença em uma unidade masculina da Fundação Casa lhe cause constrangimento, sofrimento e humilhação.
No recurso, a Defensoria também afirma que, conforme o princípio constitucional da dignidade humana e com os Princípios de Yogyakarta – que orientam a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação a orientação sexual e identidade de gênero – a jovem tem direito a ser reconhecida como mulher e, assim, receber o mesmo tratamento a elas destinado.
Os direitos fundamentais à vida privada e à intimidade, previstos na Constituição, também são apontados como base para o pedido, por englobarem a identidade de gênero.
Além disso, a manutenção da garota em unidade masculina viola a Lei Estadual nº 10.498, que dispõe sobre a obrigatoriedade de notificação compulsória de maus-tratos em crianças e adolescentes; e a Resolução Conjunta nº 01 dos Conselhos Nacionais de Combate à Discriminação e de Política Criminal e Penitenciária, que garante às pessoas transexuais ou travestis presas o direito a serem chamadas por nome social e tratamento às mulheres transexuais compatível com o concedido às demais mulheres. A Defensoria Pública argumentou que essa disposição se aplica ao caso pois, conforme o Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), adolescentes não podem receber tratamentos mais severos que os adultos.
Decisão
A Desembargadora relatora do caso, Lidia Conceição, escreveu em sua decisão que “os direitos fundamentais à individualidade e à intimidade, sob a ótica da dignidade da pessoa humana”, garantem proteção à orientação sexual e à identidade de gênero da jovem, lembrando o artigo 124, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que garante tratamento com respeito aos adolescentes privados de liberdade.
De acordo com a decisão, a manutenção da garota em unidade masculina “implica clara violação à intimidade e à liberdade de expressar-se com sua identidade e dignidade, garantia que não se reduz à autorização de higienização e repouso isoladamente, pois permanece em cumprimento de medida socioeducativa em regime de internação em que submetida a todas as demais atividades cotidianas em ambiente exclusivamente masculino, com o qual não se identifica por possuir autoimagem feminina. Neste caso, portanto, de rigor a sua transferência a uma unidade feminina da Fundação Casa”.