Após revisão criminal pela Defensoria, TJ-SP reconhece falta de provas e reverte condenação por abuso sexual

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”

Publicado em 9 de Março de 2018 às 07:30 | Atualizado em 9 de Março de 2018 às 07:30

Após pedido de revisão criminal apresentado pela Defensoria Pública de SP, o TJ-SP reconheceu um quadro de falta de provas e absolveu um homem então condenado por estupro de vulnerável, revertendo uma condenação de 10 anos e 6 meses de reclusão. Na ação, a Defensoria contestou a condenação anterior, apontando falhas processuais e falta de provas que incriminassem de fato o réu.

André (nome fictício) havia sido denunciado pela suposta prática de abuso sexual de sua enteada, que possui deficiência mental. Ele foi absolvido em primeira instância, após a própria garota negar categoricamente a ocorrência de abusos em depoimento à Justiça. Contudo, após recurso da acusação, foi condenado a uma pena de mais de 10 anos de prisão, em decisão da 4ª Câmara Criminal do TJ-SP.

A jovem, por conta de sua deficiência, vivia em uma unidade hospitalar de internação na Capital paulista, com visitas regulares à casa da mãe. Após uma dessas visitas, em 2008, ela manifestou não querer voltar mais à residência da família e reclamou do padrasto. Perguntada sobre se algo teria ocorrido, apontou para a região das pernas, o que gerou a denúncia contra André.

Sem indícios

No pedido de revisão criminal, o Defensor Jose Moacyr Nascimento enfatizou o risco de condenações de inocentes em casos de denúncias não comprovadas. Ele destacou também que o caso sequer levou a indiciamento policial, além de resultar em absolvição pelo juízo de primeira instância. “Um fato relevante deve ser informado, a saber: ao cabo das investigações policiais, a digna autoridade policial não indiciou André, indicando que não havia quaisquer indícios de autoria ou mesmo de materialidade”, ressaltou o Defensor, acrescentando que em momento algum do processo foi solicitado exame pericial. O Defensor ainda lembrou que André vivia há 9 anos com a mãe da suposta vítima, trabalhava e nunca tinha sido sequer processado criminalmente ou indiciado.


Uma das Psicólogas que acompanhava a menina na unidade hospitalar, em depoimento, disse também nunca ter ouvido relato de abuso sexual por parte da paciente. A profissional relatou ainda que a menina “se caracterizava pela sua capacidade de dramatização, de externar profunda tristeza por qualquer contrariedade e que facilmente chorava dizendo questões fantasiosas”. A própria garota, em depoimento, negou ter sofrido abuso sexual, manifestando gostar do padrasto, quando de seu depoimento na Justiça.


A condenação em segundo grau foi proferida pela 4ª Câmara Criminal, após voto do Desembargador Relator Edison Brandão.

Diante da excepcionalidade do caso, o Defensor chegou a pedir a absolvição por inexistência do fato criminoso. “Tudo começou com uma suposição, advinda do fato de a garota tocar suas próprias pernas. No curso do processo, por verdadeira elocubração, aquilo se tornou abuso sexual”.

A recente decisão do TJ-SP, contudo, reverteu a condenação, por maioria de votos, por falta de provas. Em seu voto, o Desembargador Péricles Piza, do 1º Grupo de Direito Criminal do TJ-SP, destacou que a vítima sequer narrou o abuso em seu depoimento judicial. “Por fim, insta consignar que, após analisar atentamente o conjunto probatório, emerge sentimento de ciúmes da vítima com sua mãe, o que poderia, em tese, justificar a falsa incriminação do padrasto”, destacou o Magistrado.

“Nesse contexto, deve-se prestigiar o Julgador Singular que teve contato direto e intenso com a produção da prova e bem concluiu que ‘a prova não é segura para convencer de que André passou a mão na genitália da vítima e em que se vislumbram outros motivos para que ela não gostasse do padrasto, considerando sua condição especial, a absolvição é medida que se impõe’”, concluiu o Desembargador, em voto acompanhado pela maioria do colegiado, determinando a expedição do alvará de soltura.