Defensoria Pública de SP obtém liminar que impede realização de revista vexatória em penitenciárias de Itirapina
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”
A Defensoria Pública de SP obteve na última quarta-feira (3/6) uma decisão liminar que determina o cumprimento da Lei Estadual nº 15.552/2014 – que proíbe a realização de revista íntima vexatória – nas Penitenciárias I e II de Itirapina (a 212 km da Capital). A decisão liminar foi concedida em uma ação civil pública proposta pela Defensoria no fim de maio.
Segundo consta na ação, apesar de já terem sido oficiados acerca da aplicação da lei que veda a realização das revistas, os Diretores das Penitenciárias continuam desrespeitando a legislação. "As revistas realizadas nas visitantes dos presos violam a intimidade, a saúde, a presunção de inocência, a intranscendência da pena, os direitos das crianças, dos idosos e das mulheres", afirmam os Defensores Públicos responsáveis pela ação.
A ação é assinada pelos Defensores Públicos Vinicius da Paz Leite, Arthur Rega Lauandos, Adriano Pinheiro Machado Buosi, Maria Auxiliadora Santois Essado, que atuam na unidade de Rio Claro, e Patrick Cacicedo, Bruno Shimizu e Verônica dos Santos Sionti, coordenadores do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de SP.
Entre as principais irregularidades apontadas pelas mulheres que realizam a visita a seus parentes naquelas unidades prisionais estão: realização do procedimento em duplas de adultos desconhecidas entre si e dupla de crianças e adolescentes no mesmo Box que seus pais ou avós; nudez, abertura da vagina e do ânus com as mãos sujas, além de determinação de introdução do dedo dentro do órgão genital; sucessivos e cansativos agachamentos, inclusive, para pessoas idosas e com doenças ósseas, grávidas, idosos e crianças, gerando desgaste físico e emocional; proibição da entrada de mulheres menstruadas, gerando discriminação de gênero; falta de higiene: além de ter de abrir a vagina e o ânus com as mãos sujas, as visitantes têm que sentar no mesmo banco detector de metais que todas as outras visitantes sentaram. Há graves riscos de contaminação, haja vista haver apenas um papel fino que serve proteção, renovado a cada visitante revistada; exposição e violação do corpo da mulher, afrontando sua dignidade sexual, etc.
Os Defensores Públicos apontam que não há qualquer razoabilidade na realização de tais revistas vexatórias, mas mesmo assim elas acontecem de forma generalizada. Eles também argumentam que o procedimento viola o princípio da presunção de inocência dos visitantes. “Esses parentes sistematicamente revistados, para figurarem no rol de visitas, devem apresentar ficha de antecedentes criminais sem qualquer mácula. Ou seja, são pessoas que não foram condenadas, sequer estão sendo processadas criminalmente e, mesmo assim, têm contra si a presunção de culpa.”
Na ação civil pública, os Defensores também explicam que a questão da dotação orçamentária, utilizada como argumento pelo Poder Público para a não contratação de scanners corporais e para a continuidade das revistas íntimas, não pode ser utilizada para que o Estado continue cometendo as violações à dignidade dos visitantes dos presos. "A dignidade (sexual) da mulher não pode ser condicionada às dotações orçamentárias, às razões de Estado. (...). Dotação orçamentária é matéria afeta à obrigação de fazer [alguma coisa] e não à obrigação de abstenção. Não fazer [a revista íntima vexatória] não exige dinheiro."
Após manifestação do Ministério Público, o juiz Fellipe Rosa Pereira concedeu a liminar para determinar que os Diretores das Penitenciárias I e II de Itirapina não realizem, através do corpo de agentes de segurança, qualquer procedimento de revista íntima vexatória nos visitantes. O magistrado apontou em sua decisão que "foi o próprio Estado de São Paulo, pelos representantes eleitos pelo povo paulista, que estipulou a necessidade por fim às visitas íntimas, aderindo a um processo paulatino compartilhado por outras Unidades da Federação e pela União. E foi o próprio Estado que estipulou o prazo necessário para a adoção dos procedimentos imprescindíveis à execução dessa opção. Esse prazo esgotou-se e nada foi feito. Por isso, não há mais como aceitar qualquer outra justificativa a emperrar ou postergar, de forma indefinida, sua aplicação".
Além dos pedidos liminares, A Defensoria Pública também pede que o Estado de SP seja condenado a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 1 milhão, em razão das violações cometidas durante as revistas íntimas vexatórias.
Violação de direitos
Na ação, os Defensores Públicos apontem diversos diplomas legais que impedem a realização da revista íntima vexatória. Além da Lei Estadual 15.552/14, que veda terminantemente as revistas íntimas, a conduta dos Diretores das unidades prisionais também viola o Código de Processo Penal, que determina a necessidade de mandado judicial ou fundada suspeita para que se realize buscas pessoais.
A Constituição Federal também é desrespeitada quando a visita íntima é realizada, pois um dos fundamentos da República é a dignidade da pessoa humana A cláusula pétrea da Constituição também é violada, pois determina que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, e que a pena não deve ultrapassar a pessoa do condenado [ou seja, não pode se estender a outras pessoas além da condenada].
Normativas internacionais de Direitos Humanos também estão sendo violadas. Tanto a Comissão quanto a Corte Interamericana de Direitos Humanos já se manifestaram no sentido de que a revista vexatória ofende a dignidade inerente ao ser humano estampada na Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.
Casos individuais
A Defensoria Pública de SP ingressou com cinco mandados de segurança individuais perante a 1ª Vara do Foro Distrital de Itirapina para que a visita íntima não fosse realizada. Em um dos casos, apesar de o pedido ter sido deferido, o filho da visitante foi solto antes da realização da visita seguinte à concessão da ordem. Para saber mais, clique aqui.
Nos demais casos, apesar das liminares favoráveis, as autoridades penitenciárias determinaram a realização de visita dessas pessoas somente de forma vigiada no chamado “parlatório”, local inapropriado para o contato com seus parentes.