Defensoria Pública de SP aciona Comissão Interamericana de Direitos Humanos contra condenação criminal por desacato
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”
A Defensoria Pública de SP acionou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA) – para contestar uma condenação criminal por desacato, por aplicação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A representação foi enviada no último dia 8/8. O pedido argumenta que a condenação por desacato (artigo 331 do Código Penal) é incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana, que trata da liberdade de pensamento e de manifestação.
Segundo consta na representação encaminhada pelos Defensores Públicos Carlos Weis, Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria, e Bruno Haddad Galvão, que atuou no caso desde a primeira instância, a Relatoria para a Liberdade de Expressão da CIDH já concluiu em parecer que leis nacionais que estabelecem crimes de desacato são contrárias ao artigo 13 da Convenção. “Os funcionários públicos estão sujeitos a um maior controle por parte da sociedade. As leis que punem a manifestação ofensiva dirigida a funcionários públicos, geralmente conhecidas como ‘leis de desacato’ atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação”, aponta o parecer da CIDH.
De acordo com os Defensores Públicos, “se alguma norma de direito interno colide com as previsões da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos pra restringir a eficácia dos direitos e liberdade, a interpretação a ser dada é no sentido de prevalência da norma do tratado e não da legislação interna. Dessa maneira, a vítima jamais poderia ter sido processada e condenada pelo crime de desacato”.
O cidadão foi processado e condenado por desacato porque, segundo policiais militares, no momento de sua abordagem e detenção por porte de drogas para uso próprio, ele passou a xingá-los e chamá-los de corruptos - o que foi negado pelo acusado.
Na representação, a Defensoria Pública pede que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos conclua pela incompatibilidade do artigo 331 do Código Penal brasileiro diante do artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, sugerindo que o Brasil retire tal artigo do ordenamento jurídico. Além disso, pede também que em sua decisão, a Comissão instrua o Brasil a afastar a condenação criminal do cidadão e retire essa informação de seus registros penais.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos prevê que a CIDH emita um relatório sobre o pedido ou submeta o caso para julgamento pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Para o Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria SP, Carlos Weis, a representação na CIDH é mais um mecanismo de proteção dos direitos humanos que deve ser utilizado pelos Defensores Públicos na defesa das pessoas necessitadas. “Quanto mais os Defensores Públicos se familiarizarem com as normas e os procedimentos da CIDH, mais farão valer os direitos humanos, interna ou internacionalmente."
A Lei Orgânica Nacional da Defensoria (Lei Complementar nº 80/94), após alteração de 2009, passou a prever expressamente a atribuição da instituição para representar perante os sistemas internacionais de proteção de direitos humanos (artigo 4º).
Saiba mais:
Para fazer uma representação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, a legislação internacional elenca alguns requisitos, como o esgotamento de possibilidades de recursos no âmbito nacional e um prazo de até seis meses a contar da decisão definitiva.
No caso em questão, a decisão judicial final que condenou a vítima por ter cometido o crime de desacato foi publicada em 25 de junho deste ano. Além de ter esgotado todas as vias recursais para absolvição do cidadão, o Defensor Bruno Haddad Galvão levou a conhecimento do Poder Judiciário brasileiro a vigência do artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos e sua incompatibilidade com o artigo 331 do Código Penal Brasileiro desde as manifestações em primeira instância, mas os julgadores não acataram a argumentação – a despeito de o Supremo Tribunal Federal ter reconhecido o caráter de supralegalidade das normas da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos.