A pedido da Defensoria e outras entidades, Justiça impede execução de sistema de reconhecimento facial no Metrô de São Paulo
Juíza embasou sua decisão no fato de que não foi disponibilizada informação sobre os critérios da implementação do sistema pela Companhia do Metropolitano de São Paulo
Atendendo parcialmente a solicitação da Defensoria Pública de SP em ação ajuizada em conjunto com a Defensoria Pública da União (DPU) e organizações da sociedade civil, a Justiça concedeu liminar para impedir a execução do sistema de captação e tratamento de dados biométricos de usuários/as do Metrô para sua utilização em sistemas de reconhecimento facial.
A Juíza Cynthia Thomé, da 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital, embasou sua decisão no fato de que não foi disponibilizada qualquer informação sobre os critérios, condições, propósitos da implementação do sistema de reconhecimento facial pela ré Companhia do Metropolitano de São Paulo. “Há uma série de questões técnicas que necessitam de dilação probatória para serem dirimidas. Todavia, presente a potencialidade de se atingir direitos fundamentais dos cidadãos com a implantação do sistema”, pontuou a Magistrada.
A decisão é referente à ação civil pública que visa a impedir que os 4 milhões de usuários e usuárias diários do Metrô de São Paulo continuem a ter informações sobre seus rostos e expressões coletadas, mapeadas e monitoradas por meio de reconhecimento facial. A ação foi protocolada pela Defensoria Pública de SP, em conjunto com a DPU, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, a organização Artigo 19 Brasil e América do Sul e o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos – CADHu.
Proteção de dados
As entidades alertam que o sistema de reconhecimento facial implementado pelo Metrô de SP não atende aos requisitos legais previstos na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), no Código de Defesa do Consumidor, no Código de Usuários de Serviços Públicos, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Constituição Federal e nos tratados internacionais.
“A Lei Geral de Proteção de Dados estabelece que tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, deve ter como fundamento o respeito aos direitos humanos, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais (art. 2º), sendo que a atividade de tratamento de dados pessoais deve observar o princípio da não discriminação (art. 6º), do que decorre a impossibilidade de realização do tratamento para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos”, afirmam os autores e autoras da ação.
A ação civil pública é resultado da análise dos documentos apresentados pelo Metrô de São Paulo no âmbito de uma ação judicial anterior que cobrava informações sobre a implementação do projeto que custou mais de R$ 50 milhões aos cofres públicos e que, entre outras medidas, envolveu a previsão de realização de reconhecimento facial em quem utilizasse o meio de transporte.
Pela Defensoria de SP assinam a ação as Defensoras e Defensores Estela Waksberg Guerrini e Luiz Fernando Baby Miranda (Núcleo Especializado de Defesa do Consumidor), Davi Quintanilha Failde de Azevedo, Letícia Marquez de Avelar e Fernanda Penteado Balera (Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos), Isadora Brandão Araujo da Silva e Vinicius Conceição Silva Silva (Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial), Daniel Palotti Secco e Gustavo Samuel da Silva Santos (Núcleo Especializado de Infância e Juventude).
Discriminação
Parte central da ação aponta que as tecnologias de reconhecimento facial elevam exponencialmente o risco de discriminação de pessoas negras, não binárias e trans já que esse tipo de tecnologia é reconhecidamente falho em sua acurácia e imerso em ambiente de racismo estrutural. O documento sustenta que mesmo os melhores algoritmos dispõem de pouca precisão ao realizar o reconhecimento de pessoas negras e transgênero, que são mais afetadas por falsos positivos e falsos negativos e ficam mais expostas a constrangimentos e violações de direitos.
A ação também questiona o uso de imagem e a coleta e tratamento de dados pessoais sensíveis de crianças e adolescentes, sem que haja o consentimento dos pais ou responsáveis, em frontal violação ao que determina a LGPD, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a proteção constitucional.
Invasão e vigilância
As organizações apontam que a iniciativa está na contramão de medidas de outros países, em especial na Europa e nos EUA, que apontam para uma restrição no uso massivo desse tipo de tecnologia, pelo seu caráter invasivo e seu potencial de estabelecer um cenário de vigilância e monitoramento das pessoas que transitam em espaços públicos. Nos últimos anos, empresas como Microsoft, IBM e Amazon também informaram que vão suspender a venda de soluções de reconhecimento facial para o uso policial, por potencial violação aos direitos humanos.
A ação ainda postula que a Justiça determine ao Metrô a interrupção imediata da realização de reconhecimento facial em suas dependências. Além disso, pleiteia o pagamento de indenização de pelo menos R$ 42 milhões (valor previsto no contrato para implementação dessa tecnologia) em decorrência dos danos morais coletivos pelo prejuízo causado aos direitos de seus passageiros e passageiras.