Depois de 15 anos nas ruas por conta da dependência química, mulher internada grávida volta a viver com família em MG, após atuação da Defensoria

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.

Publicado em 20 de Maio de 2019 às 08:30 | Atualizado em 20 de Maio de 2019 às 08:30

Após passar quase 15 anos vivendo nas ruas de Campinas e São Paulo, sob a dependência do crack e sem contato com a família, uma mineira de 38 anos conseguiu retornar à casa da mãe, no sul de Minas Gerais – e hoje passa por tratamento contra o vício, graças a articulação que envolveu diversos órgãos da Defensoria Pública de SP e de outras instituições.
 
A história de Mariana (nome fictício) chegou às mãos da Defensora Fabiana Zapata, que atua no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), em 2018, pelo Hospital Lacan, em São Bernardo do Campo, onde a mulher estava internada para tratamento. Não era a primeira vez. Vivendo na Cracolândia, ela já tinha buscado ajuda no Cratod anteriormente. Uma vez, a vontade de fumar apertou e Mariana pulou da ambulância. Em outra, fugiu da clínica aonde fora levada.
 
Desta vez, a Defensoria foi acionada porque Mariana estava grávida, mas, com pendências de processos criminais e medo de ser presa, recusava-se a tirar documentos pessoais, o que atrapalhava a realização de exames pré-natais. Outro receio também a martirizava: se fosse presa, com quem deixaria a criança?
 
Mudança de MG para SP
 
15 anos antes, Mariana saíra casada do Sul de Minas Gerais com marido e quatro filhos – dois de relacionamento anterior e dois com o companheiro – para viver em Campinas. Mas o casamento acabou, ela perdeu o emprego, caiu em depressão e passou a fumar crack. Chegou a voltar à cidade natal, onde usava drogas às escondidas da família.
 
“A vontade de fumar era muito grande, e tinha pouco dinheiro”, conta Mariana. “Um dia, desesperada e com medo de as crianças e minha mãe descobrirem, peguei a estrada de noite, pedindo carona, fumando crack, e cheguei a Campinas”. Ela queria voltar pois dois filhos e o ex-marido moravam lá, mas ele já tinha outra mulher.
 
Mariana correu então para as bocas de fumo. Passou dez anos em Campinas e depois outros quatro na Cracolândia, em São Paulo. “Pensava em droga o tempo todo. Às vezes, na família, nos filhos, em como seria se eu voltasse. Mas era só por minutos, e voltava a vontade de me drogar.”
 
Atuação da Defensoria
 
O Defensor Marcelo Dayrell e a Agente da Defensoria Mayra Cardoso Pereira, Assistente Social, visitaram Mariana no hospital para conhecê-la e avaliar as possibilidades do caso.
 
A mulher tinha duas condenações criminais: uma pena substitutiva por furto e outra por tráfico privilegiado (ré primária, de bons antecedentes e não dedicada a atividades ou organização criminosas), com pena de 2 anos e 6 meses em regime fechado e mandado de prisão expedido.
 
A Defensoria impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça, buscando a alteração para o regime aberto, o que foi inicialmente negado. Posteriormente, o Ministro Sebastião Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça, atendeu ao pleito, em dezembro de 2018 – a decisão transitou em julgado em março.
 
Simultaneamente, a Defensoria se articulava com o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da cidade mineira onde mora sua família, com o intuito de localizá-la.
 
Sem notícias da filha havia quase 15 anos, a mãe dela, ao saber da situação, prontificou-se a receber em casa filha e neta – que nasceu em janeiro de 2019. “Eu não esperava reencontrar minha mãe depois de tanto tempo. Para mim, minha vida ia acabar ali na Cracolândia. Foi como se eu tivesse nascido de novo”, diz Mariana, que agora passa, com a filha pequena, por acompanhamento da rede pública da cidade.
 
Sua situação processual está regularizada e ela já pode tirar novos documentos pessoais. “Até hoje estou limpa. Se falar que estou 100% sem vontade, estou mentindo. Mas, com minha menina pequena aqui hoje, difícil pensar em ir embora. Ela é agora a minha razão de permanecer aqui”, afirma Mariana.
 
Também atuaram no caso as Defensoras Públicas Ariane Paschoal, Tatiana Beraquet e o Núcleo de Segunda Instância e Tribunais Superiores (Defensora Luciana Jordão e Defensores João Felippe Reis e Rafael Muneratti).