Após ação da Defensoria de SP e DPU, Justiça determina que recusa terapêutica só pode ser afastada em caso de efetivo risco à vida de paciente

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.

Publicado em 18 de Agosto de 2020 às 07:30 | Atualizado em 18 de Agosto de 2020 às 07:30

A Defensoria Pública de SP e a Defensoria Pública da União (DPU) obtiveram decisão judicial favorável a uma ação civil pública que questionava resolução publicada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) que trata de objeção de consciência e recusa terapêutica, ou seja, a autonomia de pacientes para aceitar ou recusar determinado tratamento proposto pelo/a médico/a. No entendimento das Defensoras e Defensores que propuseram a ação, a normativa do CFM ultrapassa o poder regulador e viola os princípios da autonomia e do sigilo.

Emitida em setembro de 2019, Resolução nº 2.232/2019, regulamenta a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico-paciente. A resolução impede que adolescentes, incapazes e mulheres gestantes escolham o tratamento que lhe convém, em situações de risco relevante à saúde. Conforme apontaram os signatários da ação, a expressão "risco relevante à saúde" é muito ampla e abrange não somente a hipótese de risco de morte. Ainda em caso de adolescentes e incapazes, a resolução previa que, havendo qualquer discordância entre medico e pacientes em relação à terapêutica proposta, a situação seria encaminhada às autoridades competentes – Poder Judiciário, Conselho Tutelar, Ministério Público, abrindo possibilidade para imposição de tratamento compulsório. 

Anteriormente, o Ministério Público Federal (MPF) havia obtido na Justiça a revogação dos artigos que tratavam da imposição de tratamento a gestantes. Na ação das Defensorias de SP e da União, era postulado que o entendimento seja estendido aos/às demais pacientes. “Na medida em que o CFM orienta médicos/as a definirem tratamentos de saúde a pessoas com deficiência, mulheres, crianças e adolescentes em casos em que haja situação de ‘risco à saúde’, sendo esta expressão genérica e subjetiva, a resolução impede que pacientes tenham direito a autonomia e livre escolha em relação a procedimentos e tratamentos de saúde”, sustentaram na ação as Defensoras Públicas de SP Paula Sant’Anna Machado de Souza e Nálida Coelho Monte (ambas do Núcleo Especializado de Proteção de Defesa dos Direitos das Mulheres), e Fernanda Dutra Pinchiaro (do Núcleo Especializado dos Direitos da Pessoa e Idosa e da Pessoa com Deficiência) e Viviane Ceolin Dallasta del Grossi e João Paulo Dorini (da DPU).

“Em se tratando de crianças, adolescentes e pessoas com deficiência e havendo discordância em relação ao tratamento de saúde entre os seus representantes legais e médicos/as, a resolução autoriza médicos/as a romper o sigilo médico-paciente e notificar determinadas autoridades, com intuito de compelir o/a representante legal do/a paciente a aderir ao tratamento imposto. Os direitos dos/as pacientes de escolha do tratamento de forma livre, prévia e qualificada se encontra em risco, portanto”, observaram.

Na decisão, o Juiz Hong Kou Hen, da 8ª Vara Cível Federal de São Paulo determinou que o único critério que deve ser observado pelo médico para não acolher a recusa terapêutica manifestada pelo/a paciente é o risco efetivo à vida ou à saúde deste/a. “Pela simples leitura da Resolução 2232/2009, extrai-se a inequívoca conclusão de que o réu pretende, em verdade, impor aos médicos a obrigatoriedade de afastar a recusa terapêutica, mesmo quando não caracterizada situação de efetivo risco à vida ou saúde do paciente”, declarou o Magistrado, suspendendo os artigos da resolução que atentam contra este entendimento.