Em audiência no STF, Defensoria de SP se manifesta favorável a juiz de garantias e pela inconstitucionalidade da exigência de confissão no acordo de não persecução penal
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.
Publicado em 27 de Outubro de 2021 às 08:00 | Atualizado em 27 de Outubro de 2021 às 08:00
Como representante do Grupo de Atuação Estratégica da Defensoria Pública nos Tribunais Superiores (Gaets), o Assessor Criminal e Infracional da Defensoria Pública de SP, Glauco Mazetto Tavares Moreira, participou nesta terça-feira (26/10) de audiência pública do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a implementação do juiz das garantias, o acordo de não persecução penal (ANPP) e outros pontos do chamado Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019).
Representantes da Defensoria Pública, do Ministério Público, da Advocacia, da Magistratura e de entidades da sociedade civil expuseram suas posições sobre o tema, objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6298, 6299, 6300 e 6305, de relatoria do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Luiz Fux.
Participando de maneira virtual, Glauco Mazetto defendeu a inconstitucionalidade da previsão da confissão como requisito para a oferta do acordo de não persecução penal (artigo 28-A do CPP). A seu ver, a medida viola a presunção de inocência, não observa a dignidade da pessoa humana e afronta o princípio da proporcionalidade.
O Defensor mencionou a Súmula 545 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual se a confissão for utilizada para fundamentar uma condenação, essa confissão atenuará a pena. “O pano de fundo desta Súmula são inúmeros acórdãos e sentenças que utilizam a confissão extrajudicial, por vezes informal, para fundamentar uma condenação. O volume é tão grande que gerou uma súmula do STJ. Sem dúvida, ainda que indevidamente, essa confissão do acordo de não persecução penal será utilizada para fundamentar condenações, o que por si só enseja declaração de inconstitucionalidade”, sustentou.
“Mas não é só. Ainda que a gente afastasse as consequências jurídicas diretas desta previsão, há consequências indiretas indubitáveis: a confissão se caracteriza como uma culpa social, o que potencializa e intensifica os efeitos estigmatizantes e o caráter de pena da existência não só de uma ação penal, mas de uma persecução penal”, acrescentou o Defensor. “Parte significativa da sociedade entende que a existência de um processo indica que a pessoa acusada muito provavelmente cometeu o crime pelo qual está sendo acusada. Trazendo isso para o acordo de não persecução penal, a existência dessa confissão trará a seguinte indagação: ‘por que alguém confessaria um ato que ela não fez?’. Deste modo, aquilo que era dúvida, passa a ser certeza para inúmeros indivíduos. Assim, essa pessoa terá sua exclusão social intensificada, bem como a desigualdade social e a pobreza, valendo destacar que o ANPP tem como destinatário principal pessoas pobres.”
Em relação à implementação da figura do Juiz de garantias, Glauco Mazetto se manifestou pela constitucionalidade deste instituto, argumentando que ele visa a assegurar a imparcialidade do julgamento e, deste modo, garantir a eficácia do princípio do juiz natural.
“O juiz de garantias parte da premissa do reconhecimento de um fenômeno cognitivo estudado pela psicologia há décadas, chamado viés de confirmação ou confirmatório. Esse fenômeno aponta que, muitas vezes, ao entrar em contato com determinado problema, as pessoas fixam inicialmente uma tese sobre ele e passam então a procurar somente argumentos que ratifiquem essa tese inicial, buscando afastar todo e qualquer argumento contrário”, expos o Defensor Público. “Diante das posturas que o Magistrado deve tomar na fase de investigação, é possível que ele se sujeite a esse fenômeno cognitivo que, se ocorrido, corrói a dialética que instrui o sistema acusatório. Deste modo, o instituto do Juiz de garantias visa a assegurar não só o Estado democrático de Direito, mas também se confunde com a própria noção de Justiça”, avaliou.
O que são acordo de não persecução penal e juiz de garantias
O Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) alterou dispositivos do Código de Processo Penal, introduzindo a figura do juiz das garantias, responsável especificamente pelo controle de legalidade da investigação criminal e pela garantia dos direitos das pessoas investigadas. A intenção é de que o juiz incumbido da fase investigatória não seja o mesmo a julgar o caso, quando tiver se tornado um processo criminal. Desde janeiro de 2020, a aplicação do juiz das garantias está suspensa, por decisão do Ministro do STF Luiz Fux.
Já o acordo de não persecução penal (ANPP), também estabelecido após a alteração legislativa, pode ser firmado entre acusado e Ministério Público, mediante o cumprimento de alguns requisitos, em situações em que o delito for uma infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 anos, afastando o prosseguimento da persecução penal.