Relatório da Defensoria aponta barreiras enfrentadas por mulheres para acessar o aborto legal em SP

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.

Publicado em 16 de Novembro de 2021 às 13:30 | Atualizado em 16 de Novembro de 2021 às 13:30

A Defensoria Pública de SP, por meio de seu Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem), publicou um relatório multidisciplinar sobre as barreiras para acessar o aborto previsto em lei no Estado de SP. O material é dividido em duas partes: uma abordando as demandas de ordem jurídica atendidas pela Defensoria nos anos de 2020 e 2021 (até agosto), e a outra psicossocial, relativa aos atendimentos feitos pelo Centro de Atendimento Multidisciplinar (CAM) do Nudem.

No ano de 2020, foram 22 atendimentos realizados pelo Nudem, e de janeiro a agosto de 2021, 13. Abaixo, esses casos são divididos por motivo da procura pela Defensoria:

ATENDIMENTOS NUDEM

ANO

2020

2021
(até agosto)

VIOLÊNCIA SEXUAL

5

3

RISCO À SAÚDE DA GESTANTE

1

1

INCOMPATIBILIDADE DO

FETO COM A VIDA

EXTRAUTERINA

5

3

DIFICULDADE EM ACESSAR À

REDE DE REFERÊNCIA

6

4

INFORMAÇÕES SOBRE

PROCEDIMENTOS, TRÂMITE

JURÍDICO, SERVIÇOS DE

REFERÊNCIA

5

2

TOTAL

22

13

De acordo com os resultados obtidos no Relatório Técnico Multidisciplinar do CAM/NUDEM, os principais desafios enfrentados – direta ou indiretamente – pelas cidadãs e pelas/os profissionais atuantes na área de saúde das mulheres na busca pela concretização dos direitos sexuais e reprodutivos, especialmente o do acesso ao aborto legal e seguro, incluem, entre outros, a ausência de divulgação e sistematização, pelo setor público responsável, de informações de forma objetiva e de simples compreensão à população e à profissionais de saúde; sobrecarga de profissionais dos poucos serviços já reconhecidos como referência no atendimento à violência sexual e aborto legal; ausência de articulação municipal e estadual, em algumas regiões, para garantia de transporte, hospedagem e alimentação para a mulher/menina e sua/seu acompanhante, quando for necessário o acesso a serviços em outro município; não continuidade no atendimento com fluxos integrados na área de Saúde posteriormente ao aborto legal, ou em caso de sua negativa; alegação de “objeção de consciência” como justificativa para negativa, sem que a instituição garanta informações necessárias à mulher para atendimento por outra/o profissional, bem como de encaminhamentos efetivos para outros serviços, se for o caso.

No Brasil, atualmente, a interrupção da gestação é permitida em 3 casos: gravidez com risco à vida da gestante; gravidez resultante de violência sexual e anencefalia fetal (por decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 54, em 2012).

“É importante frisar que, nas hipóteses citadas acima, a interrupção de gestação não é ilícita, de modo que o aborto previsto em lei constitui direito das mulheres, adolescentes e meninas e o acesso a esse direito dispensa decisão judicial, registro de boletim de ocorrência, na medida em que é decorrência lógica da lei, devendo ser garantido através do acesso a serviços da saúde”, aponta o relatório. Aponta ainda que a Recomendação Geral no 24 do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, determina que todos os serviços de saúde sejam condizentes com os direitos humanos das mulheres, meninas e adolescentes, incluindo os direitos à autonomia, privacidade, confidencialidade, consentimento e escolhas informadas.

Já as violações identificadas através da atuação do CAM incluem a paralisação do serviço de aborto legal do Hospital Pérola Byington durante a pandemia da Covid-19, a busca por informações sobre o funcionamento dos serviços de abortamento legal para vítimas de violência sexual, bem como sobre o funcionamento dos serviços de abortamento legal para casos de gestação com risco para a vida da mulher, anencefalia ou incompatibilidade de vida extrauterina, exigências de condicionalidades inexistentes para acessar o atendimento, revitimização e julgamentos morais, comunicação externa dos casos atendidos (sobretudo a autoridades policiais), objeção de consciência, entre outras.

“Neste momento histórico no qual presenciamos outros países do mundo, inclusive nossos vizinhos na América Latina, avançando na garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, no Brasil observamos grave retrocesso sobre o atendimento para o aborto legal”, sinaliza o relatório. “Mais rapidamente são disseminadas as falsas informações e orientações, mesmo entre profissionais da saúde, seja por receio, ignorância ou até, em alguns casos, imposição de fé ou crença própria a outras pessoas, ferindo direitos das cidadãs que vivem em um país, em tese, laico.”

Assinam o documento as Defensoras Públicas Paula Sant’Anna Machado de Souza e Nálida Coelho Monte, Coordenadoras do Nudem, e a as Agentes de Defensoria que atuam no CAM Anna Carolina Lanas Soares Cabral (Psicóloga) e Pamella Costa de Assis (Assistente Social).

Veja o relatório completo aqui
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