Mulher obtém na Justiça o direito de reconhecimento de parentesco após morte do irmão, de quem foi separada na infância
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.
Isabel e seu irmão Ricardo não conheceram seus pais. Ainda bebês passaram a viver em um abrigo e, como ela foi adotada por uma família e ele não, cresceram separados e só foram se encontrar muitos anos depois, graças a uma feliz coincidência. As décadas vividas sem contato não foram suficientes para apagar o sentimento fraterno, que foi reconstruído após o reencontro. Quando Ricardo morreu, Isabel travou uma luta para ver reconhecido oficialmente o parentesco com o irmão. Com auxílio da Defensoria Pública, ela finalmente conseguiu ver registrado em sua certidão de nascimento o laço sanguíneo que os liga. Os nomes são fictícios.
Como foram recolhidos logo nos primeiros anos de vida a uma instituição de acolhimento infantil em Ibitinga, no interior de SP, sem nunca haver notícias quanto à filiação, o casal de irmãos não dispunha de nenhuma prova concreta que atestasse o parentesco. Além de possuírem o mesmo sobrenome, o registro foi realizado em conjunto, ou seja, Isabel e Ricardo foram registrados juntos quando tinham, respectivamente, 3 e 2 anos de idade - tendo nascido em 1966 e 1967.
Não havia informações sobre local de nascimento. Isabel só se recorda de terem, ela e o irmão, sido levados para um orfanato na capital paulista, município em que ela foi adotada por uma família, com quem permaneceu até os 18 anos. O irmão, por sua vez, não chegou a ser adotado e ficou na instituição até completar a maioridade. O contato foi retomado apenas em 1990, graças a uma coincidência. Uma parente da sogra de Isabel havia trabalhado na instituição infantil em que Isabel e o irmão moraram em Ibitinga, anos depois de ambos já terem deixado o local. A instituição ficava próxima de um asilo (mantido pela mesma instituição religiosa) em que Ricardo trabalhou. Lá, essa parente teve contato com Ricardo e ouviu dele sua história, que era muito semelhante à história de Isabel. Assim, ela soube do paradeiro do irmão e foi encontrá-lo.
Retomado o contato, os irmãos passaram a conviver e se reunir sempre que possível, sobretudo em datas comemorativas de final de ano. Na época em que se deu o reencontro, Isabel estava morando em Ribeirão Preto com a ex-sogra, e o irmão, em Ibitinga.
Em 2019, Ricardo faleceu. Ele não deixou filhos e nem bens declarados. Isabel, que cuidou de todos os trâmites funerários, manifestou desejo de ver reconhecido legalmente o parentesco. Para tanto, buscou a Defensoria. Sem provas documentais, o Defensor Público Paulo Fernando de Andrade Giostri ajuizou ação declaratória de existência de vínculo post mortem com produção de prova antecipada, pleiteando a exumação do corpo para fins de coleta de material genético que permitisse fazer o exame de DNA.
“O direito ao reconhecimento de vínculo de parentesco está intimamente ligado com princípio de ordem fundamental - a dignidade humana, conforme preceitua a Constituição Federal”, sustentou o Defensor. “Para além do vínculo genético, sempre conviveram como irmãos. Durante a infância, foram encaminhados conjuntamente para a primeira instituição e dela mudaram-se também em conjunto. Ambos foram registrados no mesmo dia e local, anotando-se inclusive a identidade entre seus sobrenomes. Destarte, o direito de ter o parentesco reconhecido em relação ao irmão falecido é medida de efetivação da dignidade, moral, bem como de preservar os princípios aplicáveis às relações familiares.”
Na decisão judicial, foi deferida a medida de exumação de cadáver, para coleta do material genético, realização da perícia pelo método de DNA, além da requisição de documentos ao cartório de registro civil e à instituição de acolhimento. A perícia apontou que Isabel e Ricardo de fato são irmãos biológicos, e o Juízo decidiu pela procedência da ação, reconhecendo e declarando que Isabel é irmã de Ricardo e determinando que fosse expedido mandado ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de Itápolis-SP para que, à margem do registro de óbito dele, seja averbado que ele deixou Isabel como irmã.
“Permita-me a autora dizer que sua luta nesta ação, sem conteúdo econômico, foi admirável, imbuída de propósito nobre, de se ver reconhecida como irmã de seu já falecido irmão, de modo que este processo acabou contando, pois, uma parte bonita de sua história; e lembrando que, para ter tido êxito na sua pretensão, contou ela com valioso empenho do diligente Defensor Público que a representou”, registrou na decisão o Juiz Márcio Pelliciotti Violante, da 2ª Vara de Família e Sucessões de Ribeirão Preto.