Meio ambiente

Carta Aberta: Adaptação Justa e Inclusiva às Mudanças Climáticas

Carta aberta, assinada por defensores e defensoras de 16 Estados, aponta diretrizes para atuação das Defensorias Públicas em todo o país.

Publicado em 28 de Maio de 2025 às 12:30 | Atualizado em 28 de Maio de 2025 às 12:35

Esta carta aberta, elaborada pelas defensoras e defensores públicos presentes na Capacitação "Adaptação às Mudanças Climáticas" (21 a 23 de maio de 2025, São Paulo), promovida pela EDEPE, direciona-se às Defensorias Públicas de todo o Brasil. Impulsionados pela necessidade de estratégias defensoriais em desastres naturais e climáticos, e pela Campanha ANADEP 2025 "Justiça Climática é Justiça Social", os participantes reafirmam seu compromisso com os direitos fundamentais e a construção de um futuro equitativo. As mudanças climáticas já são uma realidade que afeta milhões de brasileiros, especialmente os mais vulneráveis, e exigem soluções integradas e consistentes, devendo ser um guia de toda a atuação da Defensoria Pública.


Diretrizes Prioritárias para Atuação das Defensorias Públicas:

  1. Justiça Climática e Ambiental:
    • Compreender a intrínseca relação entre justiça climática e justiça social, reconhecendo que os impactos dos desastres climáticos atingem desproporcionalmente grupos vulnerabilizados, como negros, mulheres, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, comunidades tradicionais, moradores de áreas de risco e aqueles em situação de rua, bem como podem gerar novas vulnerabilidades (pescadores, agricultores familiares, catadores de material reciclável).
    • Garantir o acesso à ordem jurídica justa exige um olhar sensível aos aspectos transversais da justiça climática e ambiental.
  2. Compreensão do Risco Climático e Ambiental:
    • Abordar os riscos de desastres naturais e climáticos com uma análise sistêmica, buscando previsão, prevenção e preparação, e não apenas reação.
    • Aprofundar a compreensão da base conceitual adotada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que representa o risco como o centro de uma flor, cujas pétalas são: ameaça (eventos extremos), exposição (quem e o quê está em risco) e vulnerabilidade (condições sociais, econômicas e ambientais que aumentam os impactos, incluindo sensibilidades e capacidade de adaptação).
  3. Superação de Vulnerabilidades e Papel da Defensoria Pública:
    • Focar na superação das vulnerabilidades, garantindo que as políticas de adaptação promovam justiça climática e social, sem aprofundar desigualdades.
    • Considerar as soluções baseadas nos territórios a partir do conhecimento dos povos tradicionais na formulação de políticas e medidas de adaptação.
    • Atuar proativamente na construção de políticas públicas eficazes para prevenção, monitoramento, respostas, recuperação e reconstrução pós-desastres, não se limitando à judicialização.
    • Responsabilizar o Estado e Municípios por deveres de mitigação e adaptação climática, e ajuizar ações reparatórias contra danos climáticos de entes federativos e agentes privados.
    • Fortalecer mecanismos institucionais, reconhecendo o papel da ciência de atribuição e promovendo a articulação interinstitucional com a sociedade civil.
  4. Participação dos Atingidos:
    • Apoiar a participação ativa das comunidades atingidas na tomada de decisões, pois suas experiências são cruciais para soluções resilientes e contextualizadas.
    • Defender a essencialidade de participação popular no bojo de licenciamentos ambientais.
    • Defender a necessidade de protocolos de consulta para empreendimentos que possam afetar comunidades tradicionais (direito à consulta prévia, livre e informada).
    • Conciliar a melhor ciência disponível com os saberes tradicionais, promovendo soluções baseadas nos territórios.
  5. Olhar de Justiça Climática, Proteção Social e Garantia de Direitos - estratégias e tecnologias:
    • Integrar a justiça climática na atuação das defensorias, com foco em adaptação climática antirracista, transição energética justa e popular, e financiamento climático direto.
    • Desenvolver soluções sistêmicas com compreensão das cadeias de impacto, para previsões adequadas, preparação e, se for o caso, responsabilização consistente, por ação ou omissão.
    • Redução de vulnerabilidades e aumento da resiliência das comunidades.
    • Assegurar que os planos de habitação e de adaptação climática incluam objetivos claros para minimizar os impactos climáticos, garantindo moradia adequada e segura, além de formas de subsistência e segurança alimentar.
    • Defender a existência de análise de impactos, para impedimento ou redução de danos, diante de qualquer empreendimento, destacando-se a importância do licenciamento ambiental.
    • Melhorar a comunicação entre os núcleos especializados, para uma análise mais acurada da cadeia de impacto na busca de soluções.
    • Criação de mecanismos de monitoramento climático com transparência e participação efetiva das comunidades, da academia, das instituições de justiça e da sociedade civil organizada, conforme recomendações do relatório recentemente publicado pela REDESCA — Relatoria Especial da Comissão Interamericana de Direitos Humanos — sobre as enchentes no Rio Grande do Sul. O documento afirma que, além dos impactos sobre populações já marginalizadas, há uma ampliação do círculo da vulnerabilidade, atingindo pescadores, catadoras, agricultores familiares e comunidades urbanas.
    • Promover a apropriação de bases de dados e plataformas de diagnóstico e soluções, utilizando a melhor ciência disponível para potencializar a atuação defensorial.
    • Utilizar soluções baseadas na natureza em menor escala, como jardins de chuva, telhados verdes, parques lineares e reflorestamento de encostas.
    • Facilitar a cooperação entre as defensorias e com outras instituições e consultorias multidisciplinares, fortalecendo equipes internas por meio do incentivo à realização de ACTs com universidades e consultorias especializadas.
  6. Moradia adequada, Regularização Fundiária e Proteção Ambiental:
    • Abordar o direito à moradia adequada, com destaque para a regularização fundiária para populações vulneráveis, conciliando a proteção do meio ambiente e a proteção social.
    • Buscar estratégias para permanência das famílias em seu território, com garantia de direitos fundamentais e infraestrutura adequada de serviços públicos, e remoção do risco.
    • Direcionar políticas públicas de redução de vulnerabilidades a partir dos diagnósticos, com o fim de evitar impactos ou reduzir riscos, aumentando a capacidade de resiliência adaptativa e a participação direta das comunidades, como a implementação de ATHIS.
    • Realizar estudos técnicos consistentes para subsidiar a atuação e garantir o direito à moradia digna em locais seguros, reduzindo as desigualdades espaciais na cidade.
    • Priorizar uma atuação multiprofissional na análise dos territórios (engenheiros, geólogos, arquitetos, biólogos, assistentes sociais, sociólogos, antropólogos, entre outros).
  7. Criação de Protocolo Nacional com abertura de contribuições da sociedade civil:
    • Desenvolver um protocolo nacional de atuação das defensorias públicas em contextos de desastres, por meio de cooperação técnica assinada pelo CONDEGE em conjunto com as defensorias estaduais e consultorias especializadas, mediante um edital com abertura de contribuição da sociedade civil e academia.
  8. Capacitação e Litigância Climática Estratégica:
    • Comprometer as comissões de escolas superiores do CONDEGE, e a ENADEP, para a capacitação contínua dos defensores públicos, incluindo cursos de litigância climática estratégica.
    • Aprofundar o estudo da ciência da atribuição para embasar ações judiciais e extrajudiciais de responsabilização, compreendendo o nexo causal entre a crise climática e as violações de direitos.
  9. Quadro de Apoio Multidisciplinar:
    • Implementar equipes multidisciplinares nas Defensorias Públicas, compostas por engenheiros, geólogos, assistentes sociais, arquitetos e urbanistas, permacultores, entre outros profissionais, para o embasamento técnico necessário à atuação.
  10. Proposta de elaboração de nota técnica conjunta entre CONDEGE e ANADEP, com apoio das comissões temáticas, especialmente a de justiça ambiental e climática, sobre o PL 2.159/2021.
    • Instar a presidência da ANADEP a viabilizar a articulação da nota pelas comissões competentes, em cumprimento à missão institucional da entidade, considerando o tema da campanha ANADEP 2025 e os graves retrocessos ambientais e sociais previstos no projeto.
  11. Efetivação da Comissão de Meio Ambiente e Justiça Climática no CONDEGE.
    • Instar a Presidência do CONDEGE à sua criação, aprovada em 2023, mas que segue pendente de implementação, uma vez que, diante da iminência da COP30 e da necessidade de institucionalizar a pauta da justiça climática nas defensorias públicas, sua instalação torna-se urgente.

É fundamental adotar uma abordagem proativa e multidisciplinar, focada na justiça climática e social, na prevenção de desastres e na garantia de direitos das populações mais vulneráveis. O fortalecimento institucional, a capacitação contínua e a colaboração interinstitucional são cruciais para a construção de um futuro mais justo e resiliente.

São Paulo, 23 de maio de 2025

 

ASSINATURAS

Alessandro Andrade Spindola - DPEPI

André Luiz Gardinal Silva - DPESP

Andre Vicentini Gazal - DPESP

Antonia Pereira Gay - DPESP

Carolina de Carvalho Byrro - DPEGO

Cleide Aparecida Nepomuceno - DPMG

Eduardo Guimarães Borges - DPERO

Elizabeth Chagas - DPECE

Fábio Barbosa - DPEMT

Fernanda Peres da Silva - DPEPB

Florisvaldo Antonio Fiorentino Júnior - DPESP

Gisele Souto Durante DPESP

Ivan Carlos Maglio - Superintendente do IPAN - Instituto Panamericano para o Meio Ambiente e Sustentabilidade

João Ricardo Meira Amaral - DPESP

João Victor Rozatti Longhi - DPEPR

José Fernando Nunes Debli - DPEPE

Juliana Braga Gomes - DPDF

Juliana Spuri Bernardi - DPESP

Katia Cilene Oliveira Giraldi - DPESP

Kenia Martins Pimenta Fernandes - DPE-TO

Laura Naves Filisbino - DPESP

Letícia de Carvalho Pontes Falcheti - DPE/RO

Lorena Pereira Santin - DPE/SP

Mariana Borgheresi Duarte - DPESP

Marilia Corrêa P. Farias - DPERJ

Rafael Pedro Magagnin - DPE/RS

Rafaele Cristine Medeiros Soares - DPESP

Rodolpho Penna Lima Rodrigues - DPERN

Samantha Negris de Souza - DPE-ES

Silvia Gomes Noronha - DPE-PA

Taissa Nunes Vieira Pinheiro - DPESP
Thalita Veronica Gonçalves e Silva­ - DPESP