Defensorias Públicas se manifestam contra resolução médica que impede a utilização de técnicas que garantem às vítimas de violência sexual o direito à interrupção de gestação
Resolução do Conselho Federal de Medicina viola direitos fundamentais de meninas, adolescentes e mulheres, ao proibir procedimento cientificamente reconhecido para realização de aborto em caso de gravidez decorrente de estupro
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A Defensoria Pública de São Paulo e de mais sete estados, além da Defensoria Pública da União, emitiram na última sexta-feira (5/4) uma nota técnica apontando a ilegalidade da resolução nº 2.378/2024 do Conselho Federal de Medicina (CFM) que impede a realização de procedimento prévio nos casos de interrupção da gravidez avançada decorrente de estupro.
Segundo consta na nota, o procedimento chamado assistolia fetal - recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pelo Ministério da Saúde e por Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia para interrupção das gestações acima de 22 semanas - foi vetado pelo CFM, mesmo nos casos de estupro.
De acordo com o artigo 128 do Código Penal Brasileiro, a interrupção da gravidez é permitida, em qualquer idade gestacional, quando decorrente de violência sexual. Por isso, as Defensorias Públicas que assinam a nota técnica pontuam que a regulamentação do CFM desrespeita a legislação vigente. "Da mesma forma, viola os direitos fundamentais à dignidade, à saúde, à não-discriminação, à liberdade, à autonomia e à proteção contra a tortura ou tratamento desumano ou degradante, atingindo, sobretudo, mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade social", apontam na nota.
De acordo com a defensora pública Paula Sant’Anna Machado de Souza, coordenadora auxiliar do Nudem paulista, a discriminação provocada pela proibição de uso da melhor terapêutica é particularmente grave porque afeta especialmente as meninas e mulheres com maior vulnerabilização. “Meninas vítimas de violência sexual são as que demoram mais a identificar e conseguir pedir socorro em situações de violência, a identificar uma gravidez decorrente de violência e a chegar aos serviços de saúde. É a elas que será vedado o exercício do direito previsto em lei com a proibição do procedimento, com consequências graves às suas saúdes e às suas vidas”, afirma.
A nota técnica aponta, ainda, que a resolução do CFM também é contrária ao próprio Código de Ética Médica, que assevera que "a medicina será exercida com a utilização dos meios técnicos e científicos disponíveis que visem aos melhores resultados". Referido Código também veda que o profissional deixe de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.
Por fim, as Defensorias apontam que a normativa viola também outros documentos legais, como a Lei Orgânica da Saúde e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Assinam a manifestação os Núcleos de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem) dos estados da Bahia, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo, além da Defensoria Pública da União.