Vale do Ribeira

Defensoria obtém sentença que reconhece direitos territoriais e de permanência de comunidade tradicional em unidade de conservação

Justiça decidiu pela improcedência de ação que pedia remoção e condenação de caboclos por supostos danos ambientais

Publicado em 5 de Março de 2024 às 15:53 | Atualizado em 5 de Março de 2024 às 15:53

Defensor salientou ainda a importância das roças, caracterizadas por diversidade de culturas e por agricultura camponesa itinerante, a qual faz uso do fogo, mas que mantém baixíssimo impacto ambiental

Defensor salientou ainda a importância das roças, caracterizadas por diversidade de culturas e por agricultura camponesa itinerante, a qual faz uso do fogo, mas que mantém baixíssimo impacto ambiental

Sentença proferida pelo Foro de Eldorado Paulista julgou totalmente improcedente ação proposta pelo Ministério Público (MPSP) contra comunidade tradicional cabocla defendida pela Defensoria Pública de SP. A ação pedia originalmente a expulsão e reassentamento da comunidade e condenação por supostos danos ambientais em área de menos de 1 hectare habitada por população tradicional sobreposta em 1958 por Unidade de Conservação de Proteção Integral, com extensão total de 37.750 hectares.   

O MPSP ajuizou ação civil pública, com pedido liminar, em face de Fundação Florestal para a Conservação e Produção Florestal do Estado e de moradores da comunidade estabelecida no bairro Sítio Novo, em área afetada pelo Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), na cidade de Iporanga, na qual pugnava pela expulsão da comunidade do seu território e realocação em outra área distante, em Unidade de Conservação de outra cidade. Além disso, pedia a condenação de moradores por supostos danos ambientais.   

A Defensoria Pública promoveu a defesa da comunidade, realizando visitas ao local e articulando com equipe acadêmica da geografia da Universidade de São Paulo (USP) a elaboração de Relatório Socioambiental que subsidiou as teses defensivas.   

O defensor público Andrew Toshio Hayama, que atua na unidade da Defensoria no Vale do Ribeira e foi o responsável pela defesa, sustentou que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece que há o direito das comunidades tradicionais de permanecerem em seus territórios, de forma que as Unidades de Conservação devem ser criadas observando essa realidade, observando que a comunidade estava estabelecida no território desde antes da criação da Unidade de Conservação.   

“A natureza, para essas comunidades, não é recurso, mas faz parte da existência. As populações tradicionais não só admiram ou convivem com a biodiversidade, mas são parte integrante deste universo”, pontuou. “O conflito decorrente da sobreposição de unidades de conservação em territórios tradicionais é fruto de um grande e longo mal-entendido. Não há, na prática, incompatibilidade entre a presença de comunidades tradicionais e a tutela da biodiversidade; não há conflito entre o direito de reconhecimento étnico/cultural/territorial e a preservação ambiental.” 

Manejo sustentável  

O defensor salientou ainda a importância das roças, caracterizadas por diversidade de culturas e por agricultura camponesa itinerante, a qual faz uso do fogo, mas que mantém baixíssimo impacto ambiental (cultura herdada de indígenas, quilombolas e povos pré-colombianos). Destacou que a prática da coivara, utilizada pelos réus na ação, é prática tradicional reconhecida como manejo agroflorestal sustentável, conforme Resolução nº 189/2018 da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SMA).  

Na sentença, a juíza Hallana Duarte Miranda acolheu os argumentos da Defensoria e decidiu pela improcedência total da ação. “É importantíssimo frisar que a compreensão de que as comunidades tradicionais não podem permanecer em Unidades de Conservação parte de um pressuposto contraditório em seus próprios termos: se, de fato, as comunidades fossem agressivas ao meio ambiente, como seria possível que o Vale do Ribeira e o Bairro da Serra sejam hoje reconhecidíssimos remanescente da Mata Atlântica em Estado Natural. É evidente, o dano previsto em lei é presumido, mas se sabe que ele não é real em termos de degradação”, pontuou a magistrada. 

“Trata-se de decisão importante por garantir direitos territoriais de comunidade cabocla que sofre a incidência de Parque Estadual”, comentou o defensor Andrew Toshio Hayama após a divulgação da sentença. Ele destacou a observância, na sentença, da garantia de direitos territoriais de comunidade tradicional em área afetada por Parque Estadual e o trabalho pericial de equipe da geografia da USP, que, acionada por solicitação da Defensoria, elaborou estudo atestando que a comunidade convive adequadamente com o ecossistema local e protege a biodiversidade, não representando risco ambiental.