Justiça permite que nome de pais afetivos e biológicos constem em certidão de nascimento de usuária da Defensoria Pública
Luiza foi criada por seus tios como se fosse filha, mas também mantinha relacionamento com pais biológicos
Imagem: Freepik
Dois pais e duas mães em seu registro de nascimento. Este é o final feliz da história vivenciada por Luiza* após procurar a Defensoria Pública para que seus pais afetivos também pudessem constar em seus documentos, sem que fossem retirados os nomes dos pais biológicos, por quem também nutre carinho e afeto.
Luiza é filha biológica de Camila* e Antonio*, mas aos seis meses de idade foi entregue aos cuidados da irmã de Camila, Lourdes*, casada com Pedro*. Com eles, Luiza viveu até os 25 anos de idade, como se fosse filha do casal, tendo também convivência com Camila e Luiz.
Após sair de casa, Luiza se casou e teve um filho, e o relacionamento com os pais afetivos permaneceu muito amigável, sendo Lourdes e Pedro muito presentes na vida da filha e do neto. Mesmo com a morte de Lourdes, em 2006, a relação entre pai, filha e avô foi mantida e cultivada.
“Nota-se, portanto, que Luiza desenvolveu relacionamento de paternidade e maternidade socioafetivos com Lourdes e Pedro, tios biológicos que cuidaram dela desde os seis meses de idade como se pais biológicos fossem, relacionamento que foi mantido mesmo após a maioridade, até os dias atuais”, apontou, na ação, o defensor público Rafael Rocha Paiva Cruz, responsável pelo caso.
“Este relacionamento sempre foi público, consensual e todos os familiares envolvidos têm o desejo de que a situação de fato seja consolidada. Luiza também mantém bom relacionamento com os pais biológicos e deseja que eles sejam mantidos em seu registro”, completou.
Multiparentalidade
Na ação, o defensor pontuou que o tratamento jurídico acerca da família sofreu alterações ao longo dos tempos, sendo hoje o conceito baseado no afeto, na busca da felicidade e no desenvolvimento da personalidade de cada um de seus membros.
Ele também pontua que a multiparentalidade já é admitida em muitos países, tendo sido consolidada e possibilitada por meio de diversas decisões judiciais. Cita, inclusive, entendimento do STF, que firmou entendimento no sentido de que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.
“Assim, é plenamente possível a retificação do assento da autora, para que nele conste o nome de seus pais socioafetivos, sem prejuízo da manutenção do nome dos pais biológicos”, reiterou o defensor.
Decisão
Ao analisar o pedido feito pela Defensoria Pública de SP, a juíza Vanessa Aufiero da Rocha pontuou que “a paternidade/maternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana por permitir que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais (como a regular adoção), a verdade real dos fatos”.
Ela também observou que foi desenvolvido entre a família um forte e duradouro vínculo afetivo. “Ficou muito claro o afeto entre Luiza, Lourdes e Pedro, e como este afeto reverbera em todo sistema familiar, inclusive nos pais biológicos, que demonstraram reconhecimento ao vínculo desenvolvido entre a Luiza, Lourdes e Pedro, e profunda gratidão a estes por terem cuidado de sua filha”.
Assim, julgou procedente o pedido apresentado pela Defensoria Pública, reconhecendo que Luiza é filha de Lourdes, Pedro, Camila e Antonio. Determinou, dessa forma, que o assento de nascimento seja alterado para a inclusão dos pais afetivos, sem prejuízo da manutenção dos nomes de Camila e Pedro.
*nomes fictícios