Condenação
A pedido da Defensoria Pública, TJ-SP mantém decisão determinando que a Igreja Universal devolva R$ 200 mil a fiel que fez "sacrifício financeiro"
Decisão reiterou sentença, reconhecendo como nulas as doações e determinado a devolução do valor à vítima
Publicado em 23 de Agosto de 2023 às 17:26 | Atualizado em 23 de Agosto de 2023 às 22:06
A Defensoria Pública de SP obteve uma decisão do Tribunal de Justiça paulista (TJ-SP) que reiterou a decisão obtida em primeira instância e reconheceu como nulas as doações realizadas por uma professora à Igreja Universal do Reino de Deus, determinando a devolução do valor total doado - cerca de R$ 200 mil.
As doações, que somadas chegaram a R$ 204.500,00, foram realizadas como "sacrifícios financeiros que a Igreja pregava como forma de validação da sua fé", segundo consta na ação proposta pela defensora pública Yasmin Oliveira Mercadante Pestana.
De acordo com a mulher que realizou as doações - uma professora que hoje vive com cerca de R$ 1500,00 por mês para seu sustento, de seu marido com problemas de saúde e de sua filha - após ter feito as transferências do dinheiro, ela começou a consultar outras pessoas e assistir vídeos de outros líderes religiosos, quando então percebeu que sua fé não dependia de sacrifícios que impusessem a ela e sua família uma situação de vulnerabilidade financeira.
Consta no processo que a professora sentia culpa por "estar em falta com a igreja", pois, segundo o que os pastores diziam, ela deveria provar a sua fé com as doações, e que só assim iria receber a resposta para a solução dos problemas de sua vida.
Esperando que os líderes religiosos compreendessem as necessidades desta mulher, a Defensoria Pública enviou um ofício à Igreja Universal, que sem se preocupar com o bem estar dela ou nos fins caritativos da própria igreja, se recusou a fazer uma oferta de acordo, insinuando que ela estaria se distanciando de sua fé.
De acordo com a defensora Yasmin, as exigências impostas pela Igreja acerca dos "sacrifícios financeiros" violaram os princípios da boa-fé, bem como as formalidades impostas para a realização de doações previstas no Código Civil Brasileiro.
Em primeira instância, o Juiz Carlos Alexandre Böttcher, da 4ª Vara Cível do Foro Regional de Itaquera, considerou que a professora foi vítima de coação na realização das doações, sobretudo em razão das pressões psicológicas empreendidas pelos membros da organização religiosa para realização de tais ofertas. Além disso, observou que as campanhas de doação promovidas pela igreja "revelam-se como prática de pressão moral injustificada". Assim, por considerar a nulidade das doações, determinou que os valores fossem restituídos à autora da ação.
No julgamento em segunda instância, realizado após recurso interposto pela Igreja Universal, os desembargadores da 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em votação unânime, também reconheceram a nulidade das doações e mantiveram a determinação para que os valores doados fossem restituídos à professora.
“A doação impactou a subsistência das autoras e de sua família, abarcando a totalidade de seus bens sem que fizesse reserva para sua subsistência ou de quinhão destinado à sua herdeira, de modo que deve ser mantida a sentença de procedência”, afirmou no acórdão o desembargador Carlos Henrique Miguel Trevisan, relator do voto.
O julgamento contou com sustentação oral realizada pelo defensor público Julio Grostein, coordenador auxiliar do Núcleo Especializado de Segunda Instância e Tribunais Superiores.