Defensoria Pública obtém decisão do TJSP que reconhece a ilicitude de reconhecimento fotográfico realizado sem observância dos procedimentos legais
Foto de acusado foi mostrada isoladamente para as vítimas, que mudaram a descrição do autor do crime após suposto reconhecimento
Foto: CCSAI/DPE-SP
A Defensoria Pública de SP obteve uma decisão do Tribunal de Justiça paulista (TJSP) que reconheceu a nulidade do reconhecimento fotográfico realizado sem observância dos procedimentos previstos no código de processo penal, e assim, absolveu um acusado pela prática do crime de roubo.
Eduardo (nome fictício) havia sido condenado à pena de 8 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão por supostamente ter cometido o crime de roubo. No entanto, a condenação foi baseada no reconhecimento fotográfico realizado sem que tenham sido observados os procedimentos previstos legalmente - o que torna nulo esse procedimento.
Segundo consta no processo, as vítimas do roubo noticiaram o crime por meio de um boletim de ocorrência eletrônico, logo após a ocorrência dos fatos. Na ocasião, apontaram que os suspeitos eram “homens brancos de compleição física magra”. Cerca de dez dias depois, uma denúncia anônima à polícia apontou que o autor do crime seria Eduardo. Assim, as vítimas foram chamadas à delegacia, e durante o depoimento, mudaram a versão acerca da descrição dos suspeitos. Além disso, fizeram o reconhecimento fotográfico com base em apenas uma única foto apresentada, a de Eduardo - situação de evidente indução de testemunhas, de acordo com a defensora pública Daniela Batalha Trettel, responsável pela revisão criminal apresentada ao TJSP.
“Percebe-se que, a partir do recebimento da denúncia anônima, a descrição física dos assaltantes no inquérito policial mudou completamente. Como já mencionado, no boletim de ocorrência, que foi registrado momentos após o crime, todos os assaltantes eram homens brancos. Já após o recebimento da denúncia anônima e da indicação de Eduardo como um dos suspeitos, tudo mudou”.
A defensora também apontou irregularidades durante a fase judicial, uma vez que, antes de iniciar a audiência de julgamento, o acusado foi mostrado às vítimas sozinho, sem estar ao lado de outras pessoas de características semelhantes, como prevê o artigo 226 do código de processo penal. “Nenhuma formalidade foi seguida no reconhecimento judicial, realizado como se fosse mera burocracia sem importância a ser superada. (...) A autoria delitiva foi comprovada apenas com base nos reconhecimentos pessoais realizados pelas vítimas de forma irregular e sem amparo em qualquer outra prova”.
No pedido feito à Justiça, a defensora apontou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu acerca da necessidade de se determinar a invalidade de reconhecimentos fotográficos e pessoais que não tenham seguido estritamente o previsto na lei. O argumento foi reiterado aos desembargadores pelo defensor público Rodrigo Vidal Nitrini, do Núcleo de Segunda Instância e Tribunais Superiores, que realizou sustentação oral perante o 8º Grupo Criminal do TJSP.
No julgamento do caso, o desembargador Camargo Aranha Filho apontou que a condenação de Eduardo é calcada em prova ilícita, “colhida ao arrepio dos procedimentos previstos da lei processual penal. (...) A meu sentir, e na esteira do quem vem decidindo o Colendo Superior Tribunal de Justiça, ainda que tenha ocorrido a ratificação do reconhecimento em juízo, a prova, quando contaminada pelo primeiro ato realizado, totalmente em desconformidade com a norma processual penal, não pode sustentar uma condenação”.
Embora tenha havido empate na votação dos desembargadores do 8º Grupo Criminal, prevaleceu o entendimento favorável ao acusado, que, portanto, foi absolvido do crime de roubo, por falta de provas.