Defensoria Entrevista

“Os esforços feitos durante a pandemia estão conduzindo a Defensoria Pública de SP para a próxima geração de governo digital”, aponta Bill Finnerty

Especialista em governo digital, Finnerty fala sobre o processo de digitalização de setores públicos ao redor do mundo, dos desafios ainda colocados às instituições e do desempenho da Defensoria Pública de SP no atendimento digital ao cidadão durante a pandemia

Publicado em 23 de Novembro de 2022 às 16:46 | Atualizado em 23 de Novembro de 2022 às 17:07

Considerado um dos maiores especialistas em cidades inteligentes e governos digitais, Bill Finnerty avalia que o progresso tecnológico impulsionado pela pandemia e observado no setor público nos mais diversos países não será passageiro, desde que as instituições consigam reter as lições aprendidas nesse período turbulento e continuem focadas em desenvolvê-las.

Na segunda edição do Defensoria Entrevista, Finnerty, vice-presidente e analista da Gartner Research e ex-diretor de informações do Departamento de Estado da Pensilvânia, onde foi responsável pelas estratégias de tecnologia da informação, conclui que a melhor métrica para avaliar o impacto dessas melhorias é a uma comprovada boa experiência dos usuários.

Em outubro, a Defensoria Pública de São Paulo foi convidada pela Gartner a participar do painel “Brasil TI+: Rocket.chat: Tecnologia como Ferramenta de Transformação na Assistência Jurídica para o Engajamento do Cidadão”, realizado em Nova Iorque (EUA). Na ocasião, Rafael Pitanga, Primeiro Subdefensor, e Erik Saddi Arnesen, coordenador da Coordenadoria de Tecnologia da Informação, contaram sobre a experiência da Defensoria de SP em disponibilizar uma plataforma digital para mais de 45 milhões de pessoas durante a fase mais aguda de isolamento social, passando de um atendimento exclusivamente presencial para totalmente digital, por meio do uso do Rocket.chat. 

A atuação da Defensoria Pública foi mencionada como um dos dois exemplos mundiais no tema de governo digital, sendo destaque no evento que contou com a participação de delegações de instituições públicas e empresariais de todo o mundo.

“O progresso que a Defensoria Pública de SP realizou nos últimos quatro anos, na adoção de tecnologias e práticas digitais, foi emocionante de assistir. Os esforços feitos durante a pandemia estão conduzindo [a instituição] para a próxima geração de governo digital”, aponta Finnerty.

Confira a entrevista:

Como você avalia o processo de digitalização de setores públicos ao redor do mundo?

Como equipe do setor público na Gartner, temos um modelo de maturidade do governo digital que usamos para analisar sete atributos para determinar o progresso do governo digital de uma organização do setor público. Esses sete atributos foram:

1. Foco no valor

2. Modelo de serviço

3. Plataforma

4. Ecossistema

5. Liderança

6. Foco em tecnologia

7. Principais métricas

No entanto, estamos vendo uma mudança no foco do governo digital, que olha para três novos atributos: ser empático na prestação de serviços, operacionalizar insights e capacitar um ecossistema orquestrado. Isso representa ir além da implantação, para normalizar a próxima geração de governo digital, que deve impulsionar um impacto perene.

Quais desafios ainda estão colocados às instituições para avanços mais significativos nessa área?

Liderança e governança são as duas principais áreas com as quais as organizações do setor público têm dificuldades em sua jornada de governo digital. A tecnologia pode ser desafiadora de implementar corretamente, mas o aspecto das pessoas é o trabalho mais difícil no percurso para se alcançar todo o potencial de uma organização.

Você avalia que os avanços observados na digitalização dos serviços públicos sejam permanentes ou apenas uma tendência que passará com o fim da pandemia?

Há um risco para muitas organizações do setor público de retroceder nos ganhos em serviços digitais, entrega híbrida e utilização de dados para compreensão contextualizada que foram alcançados durante a pandemia. Certamente, há pessoas que querem focar em voltar ao que era normal antes da pandemia. No entanto, passaram-se quase três anos, e as coisas teriam mudado de qualquer maneira nesse tempo. Existem forças globais que, juntamente com uma boa liderança que está capturando o valor de negócios/programas dos esforços do governo digital, continuarão a impulsionar o governo digital. Essas forças incluem a escassez global de talentos, que significa que as organizações precisam garantir que os funcionários tenham uma boa experiência no trabalho e sejam o mais eficientes possível; as incertezas econômicas, que exigem que as organizações do setor público operem serviços da maneira mais econômica possível; e as novas expectativas do público sobre como e quando eles vão interagir com as organizações do setor público. É por essas razões que acredito que o progresso do governo digital continuará.

As organizações do setor público que desejam a permanência do progresso do governo digital precisam garantir que absorveram as lições aprendidas com a pandemia - que lhes permitiram progredir rapidamente - e continuar a desenvolvê-las. Primeiro, precisam considerar as mudanças que fizeram relacionadas à governança e operacionalizar essas mudanças onde elas não incrementaram riscos que não podem ser gerenciados. Em segundo lugar, precisam acessar serviços e soluções que implementam para garantir que haja um roteiro de melhoria contínua, para além dos produtos viáveis ​​mínimos. Terceiro, onde não adicionaram gerenciamento de desempenho a seus serviços, precisam fazer isso para determinar quais métricas são mais aplicáveis ​​para garantir que o serviço seja eficiente e eficaz. A boa experiência dos usuários deve ser o ponto de partida para medir o impacto das melhorias.

Como você avalia a experiência do atendimento digital implementado pela Defensoria Pública de São Paulo?

O progresso que a Defensoria Pública de SP realizou nos últimos quatro anos, na adoção de tecnologias e práticas digitais, foi empolgante de assistir. Os esforços feitos durante a pandemia, e agora, enquanto saímos do outro lado, para atender as pessoas onde elas estão, para ser empático com suas necessidades, estão conduzindo [a instituição] para a próxima geração de governo digital. Este é um esforço voltado para o futuro que, à medida que for estendido para mais serviços, gerará um valor ainda mais significativo.

A Defensoria Pública realiza um atendimento em temas sensíveis, como violência doméstica e violação de direitos humanos. Como reproduzir, no digital, a empatia com o usuário que existe no atendimento presencial?

A empatia no governo digital se manifesta de duas maneiras. A primeira está no design de serviços, para fornecer uma experiência contextualizada a seus usuários. Isso requer que você seja capaz de entender as ações realizadas por eles, o contexto de sua situação, por meio dos dados que você tem, para ser capaz de antecipar a próxima melhor ação. Em alguns casos, você poderá fornecer a próxima melhor ação de maneira proativa e, em outros, será melhor recomendar a ação e deixar que o usuário faça a escolha. A segunda forma pela qual a empatia se manifesta no governo digital é pela automação de decisões, contextualizadas à pessoa; é uma abordagem chamada de inteligência de decisão. Fazer isso exigirá que você modele a decisão e teste os resultados, para garantir que está realizando uma ação empática. Para muitas decisões, o machine learning será usado para criar o modelo, considerando dados e resultados de muitas decisões anteriores. Para manter a empatia nessas decisões, os modelos precisarão ser continuamente revisados ​​e aprimorados.

No Brasil, há uma grande parcela da população com acesso limitado à internet. A camada mais vulnerável, quando acessa a internet, tem como ferramenta os telefones celulares. Nesse contexto de vulnerabilidade, há espaço para o atendimento digital?

Para muitas situações, o celular é uma interface viável para a entrega de serviços. Em áreas com penetração muito maior de serviços de banda larga, relata-se regularmente que mais de 50% da população se conecta a serviços governamentais por meio de um dispositivo móvel. Duas coisas importantes a serem consideradas pela Defensoria Pública de SP na prestação de serviços aos usuários por meio do celular são a concepção de serviços para essas parcelas da população e o suporte adequado aos usuários que utilizam serviços digitais. Sempre que possível, aproveitem a co-criação como uma ferramenta para envolver seus destinatários no desenho de serviços, pois não há nada que supere os inputs de usuários reais no processo. Ao projetar seu modelo de suporte, considerem uma abordagem em duas frentes, que forneça suporte formal, por meio de uma central de atendimento aberta durante os horários mais comuns em que seus usuários acessam seus serviços, e suporte informal, identificando recursos confiáveis ​​em cada comunidade, aos quais se possa fornecer treinamento sobre como ajudar os usuários.