Infância e Juventude

Após ação de Defensorias estaduais e da União, Justiça proíbe acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas

Sentença determinou também o cancelamento de contratos, convênios e termos de parcerias feitos pela União para o custeio de tais entidades

Publicado em 15 de Setembro de 2022 às 13:51 | Atualizado em 15 de Setembro de 2022 às 13:51

Sentença relembra que existe resolução do próprio Ministério da Saúde que proíbe o acolhimento de crianças e adolescentes em comunidades terapêuticas l Foto: Aedrian/Unsplash

Sentença relembra que existe resolução do próprio Ministério da Saúde que proíbe o acolhimento de crianças e adolescentes em comunidades terapêuticas l Foto: Aedrian/Unsplash

Após ação ajuizada pela Defensoria Pública de SP conjuntamente com as Defensorias Públicas da União e dos Estados de PE, RJ, MT e PR, a 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco declarou ilegal a Resolução 3/2020 do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), que previa o acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas para tratamento da dependência de álcool e drogas. A sentença determinou ainda o cancelamento de todos os contratos, convênios e termos de parcerias feitos pela União, com base na resolução, para o custeio de tais entidades, bem como o desligamento dos adolescentes atualmente acolhidos em até 90 dias e a interrupção do financiamento federal das vagas nas comunidades terapêuticas. 
 
Entre outros argumentos contidos na ação civil pública proposta pelas Defensorias, estão o de que a resolução foi expedida sem a participação do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), responsáveis pelas políticas de atendimento à criança e adolescente e de serviços socioassistenciais, respectivamente, e desconsidera a Política Nacional de Atenção à Saúde Mental e ao Uso de Álcool e Outras Drogas, implantada pela Lei Federal nº 10.216/2001, e faz alterações que não se mostram adequadas e proporcionais às finalidades previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Constituição da República, na Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas, na Lei nº 10.216/2001 (que institui os direitos das pessoas com transtorno mental) e na Lei nº 11.343/2006 (Lei Antidrogas).
 
“Não está prevista no ECA qualquer hipótese em que a medida de acolhimento de adolescentes possa ser de adesão e de permanência voluntária, como pretende a Resolução nº 3/2020 do Conad, em seu artigo 2º, inciso I e no seu § 4º (autorização prévia e adesão voluntária, por escrito, de um dos pais ou responsável, e também do adolescente acolhido), uma vez que esta depende sempre de ordem judicial”, consta na ação. 
 
“O sistema de garantia de direitos das crianças e adolescentes já contém previsão sobre entidades especializadas em acolhimento, que devem atender a determinados requisitos, serem devidamente credenciadas, com inscrição prévia nos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente, não sendo possível recorrer às comunidades terapêuticas para qualquer tipo de acolhimento”, argumentaram.
 
Pela Defensoria paulista, assinam o documento Ana Carolina Schwan e Daniel Palocci Secco, que coordenavam o Núcleo Especializado de Infância e Juventude quando a ação foi ajuizada, em junho de 2021.
 
Sentença
 
Na sentença, a Juíza Federal Joana Carolina Lins Pereira acolheu os argumentos, considerando a resolução ilegal. “Ainda que restasse ultrapassada a questão atinente ao vício formal da resolução em comento, o normativo esbarraria em vícios materiais, porquanto viola as regras protetivas da criança e do adolescente, previstas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente”, constatou a magistrada.
 
A Juíza apontou que políticas públicas sobre programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependentes de entorpecentes e drogas afins, por força do artigo 227, §3º, VII da Constituição, devem ser tratadas, se não pelo próprio Conanda, com sua participação. Pontuou, ainda, que o Conad extrapolou os limites do seu poder regulamentar, já que "não há, seja na Lei nº 11.343/2006, seja no seu decreto regulamentador (Decreto nº 5.912/2006), qualquer menção ao acolhimento de adolescentes nas entidades mencionadas".

“Existe, no Ministério da Saúde, norma a afastar o acolhimento de crianças e adolescentes em comunidades terapêuticas. Refiro-me à Portaria nº 3.088, de 23/12/2011, que instituiu a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas”, observou Joana Carolina Pereira, acrescentando que o art. 9º, inciso II, da portaria mencionada estabelece que as comunidades terapêuticas podem oferecer cuidados contínuos apenas para adultos, ficando o atendimento de crianças e adolescentes reservado às Unidade de Acolhimento na modalidade Infanto-Juvenil.

Ainda, consta na decisão que se constatou a "evidente ausência de acompanhamento, por parte do Poder Público, quanto à permanência dos adolescentes em tais entidades, nas quais se verifica a subtração - o que constitui significativo agravante - de direitos básicos de tais adolescentes, como o direito à educação", de forma que "a experiência tem apresentado um quadro de violações múltiplas aos direitos dos adolescentes e às próprias regras do acolhimento".

Inicialmente houve concessão de liminar favorável à ação civil pública, mas os efeitos dessa decisão foram suspensos após interposição de agravo de instrumento, o que faz com que permaneçam suspensos também os efeitos da sentença. No entanto, o Núcleo Especializado de Infância e Juventude da Defensoria entende que os fundamentos da sentença podem ser utilizados desde logo em casos individuais.