Violência obstétrica é debatida em audiência pública promovida por Defensoria Pública e Ministério Público
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”
A violência obstétrica foi tema de audiência pública realizada nesta segunda-feira (17/11), organizado em parceria entre o Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado (Nudem); a Escola da Defensoria Pública do Estado (Edepe); a Escola Superior do Ministério Público (ESMP); o Ministério Público Federal (MPF); a Associação Artemis; e a Secretaria Municipal de Políticas Públicas para Mulheres. O evento foi realizado no auditório Queiroz Filho, na sede no Ministério Público, na capital paulista.
Sem definição por lei no Brasil, a violência obstétrica se caracteriza pela imposição à gestante ou à parturiente de condutas ou procedimentos que lhes causem sofrimento físico ou psicológico. Durante a audiência pública, foram debatidos temas como formas de garantir direitos básicos à gestante e à parturiente, a necessidade de melhoria na formação dos médicos, o alto número de cesarianas. Ao final, mulheres relataram casos em que sofreram violência obstétrica.
Em sua manifestação, o Defensor Público Antônio Machado Neto, Assessor Cível da Defensoria Pública-Geral, ressaltou a importância da discussão do tema, pois a violência obstétrica é reproduzida diariamente no país. Ele também destacou que a parceria entre Defensoria Pública e Ministério Público para defesa de direitos humanos não precisa se restringir a ações jurídico-processuais, podendo também se ampliar para áreas da política e da educação em direitos.
Apesar de considerar o Brasil atrasado em relação a países vizinhos no combate à violência obstétrica, a Defensora Pública Ana Rita de Souza Prata, Coordenadora do Nudem, afirmou que tratados internacionais dos quais o país é signatário seriam suficiente para proteger a mulher. “Acontece que essa violência é tão naturalizada que a maioria das mulheres passa por ela e nem percebe que foi vítima”, afirmou, citando casos em que mulheres são deixadas sem comida, descumprimento da lei do acompanhante e humilhações impostas no sistema público de saúde à mulher que aborta.
Os Defensores citaram também decisão recente obtida pela Defensoria Pública de SP em que o Estado e o Município de Registro foram condenados a custear uma cirurgia de reparação vaginal a uma mulher submetida a uma episiotomia mal sucedida. Clique aqui para mais informações.
O Procurador-Geral de Justiça, Márcio Elias Rosa, afirmou que já há uma legislação suficiente para coibir condutas de violência obstétrica, que possibilite uma atenção à mulher compatível com o princípio da dignidade humana. Rosa, contudo, afirmou que direitos básicos como pré-natal, acesso a dados médicos e o acompanhamento da mulher por pessoa indicada vêm sendo negligenciados.
A Procuradora da República Ana Carolina Previtalli Nascimento afirmou que o MPF tem um inquérito civil aberto para recolher registros de procedimentos de partos em maternidades, visando criar maior controle a essas situações. Ela afirmou que a violência decorre do despreparo de grande parte dos profissionais de saúde, e que a legislação brasileira atual é satisfatória, mas não obedecida. Para a Procuradora, não é preciso criminalizar a violência obstétrica; seria suficiente os médicos seguirem o Código de Ética Médica.
Esse tema também foi explorado por Maria Esther Vilela, Coordenadora da Área Técnica da Saúde da Mulher do Ministério da Saúde. Para ela, há uma necessidade radical de mudança nos hospitais de ensino das universidades, com a integração de enfermeiras obstetrícias nas equipes. Vilela relatou que estão em construção no Ministério da Saúde protocolos clínicos de diretrizes terapêuticas sobre partos, assim como um sistema informatizado com informações sobre partos no país. Ao final, ela propôs que o dia 31/3 seja celebrado como dia nacional a favor do parto normal e do combate à violência obstétrica. A data marca o caso em que Adelir Góes, que também participou da audiência pública, foi obrigada pela Justiça a se submeter a uma cesariana. O caso teve repercussão nacional.
A proposta foi encampada pelo Deputado Federal Jean Wyllys, também presente ao evento. Autor do Projeto de Lei nº 7.633/2014, que dispõe sobre a humanização da assistência à mulher e ao recém-nascido durante o período logo após o nascimento, ele afirmou que uma lei não será uma “panaceia” para o problema. O Deputado ressaltou que enfrentar a violência obstétrica significa lutar contra uma cultura arraigada de dominação masculina, que está no cerne também do combate à homofobia.
Raquel Marques, Presidente da Artemis, associação responsável pelo envio da proposta que originou o PL 7.633/2014, citou pesquisa da Fundação Perseu Abramo segundo a qual a violência no parto vitima uma em cada quatro mulheres. Raquel acredita, no entanto, haver uma subnotificação dos casos.
Dulce Xavier, Secretária Municipal Adjunta de Políticas para Mulheres, disse que a violência obstétrica é um tema trazido à tona pela luta das mulheres na sociedade civil, que faz com que as autoridades e instituições reflitam. Segundo Dulce, trata-se não só de garantir proteção contra a violência mas também de empoderar as mulheres.
Diversas mulheres vítimas de violência obstétrica relataram experiências sofridas durante o trabalho de parto. Dentre elas, Amanda [sobrenome não informado]. “Eu estava de 40 semanas e a obstetra pediu para que, a parir dali, eu fizesse exames de toque a cada 3 dias. No primeiro retorno, fiquei das 7h às 11h fazendo a escuta do coração do bebe, quando fui informada de que havia algo errado com a minha filha e que era necessário estourar a bolsa para entrar em trabalho de parto”. Amanda disse que por mais de duas horas teve apenas contrações leves e que sentiu muita dor quando a enfermeira aplicou medicação para “acelerar o trabalho de parto”. “Não tive a emoção de quem acabou de dar a vida a um bebê, não tive alegria nenhuma”, lamenta. Amanda disse que só tomou conhecimento de que fora vítima de violência obstétrica após conhecer a história de Adelir Góes.
A audiência pública também contou com a participação de diversas outras autoridades, como Arthur Pinto Filho, Promotor de Justiça de Direitos Humanos e Saúde Pública; Roseli Nomura, professora e representante do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp); a Desembargadora Maria de Lourdes Rachid Vaz de Almeida, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP); Luciana Bergamo Tchorbadjian, Promotora de Justiça dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e Juventude da Capital; Fabiana Dalmas Rocha Paes, Promotora do Núcleo de Direitos Humanos de Sorocaba e Região; e Carmen Simone Grilo Diniz, Professora da Faculdade de Saúde Pública da USP.