Mulher transexual, cega e com Aids obtém direito a aguardar julgamento de recurso em liberdade, após atuação da Defensoria Pública de SP

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”

Publicado em 17 de Março de 2016 às 08:30 | Atualizado em 17 de Março de 2016 às 08:30

Uma mulher transexual, cega e com Aids obteve o direito a aguardar em liberdade o julgamento de seu recurso em processo no qual é acusada de tráfico de drogas, após atuação da Defensoria Pública de SP.
 
Joana (nome fictício) estava presa desde 14/3/2015 na Penitenciária de Itirapina I (a 212 km da Capital), após ser flagrada em suposta tentativa de entregar maconha durante visita ao namorado, preso em Potim, a 195 km de São Paulo.
 
No dia seguinte, o Juiz que analisou o caso converteu a prisão em preventiva, considerando “imprescindível” sua manutenção, já que tráfico de drogas é crime equiparado a hediondo, que “intranquiliza a sociedade e coloca em risco a ordem pública”.
 
Inspeção
 
A situação foi descoberta pela Defensoria Pública durante inspeção à unidade prisional. Segundo o Defensor Bruno Shimizu, responsável pelo caso e coordenador auxiliar do Núcleo de Situação Carcerária, a mulher fazia tratamento antiaids pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas a inconstância com que vinha sendo medicada, associada à insalubridade da penitenciária, superlotada e sem estrutura adequada, levou à piora no quadro de saúde da mulher, que chegou a ser removida para consulta de urgência em hospital da região.
 
A Defensoria Pública impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça de São Paulo pedindo a cassação da decisão que converteu em preventiva a prisão em flagrante, ou a substituição por prisão domiciliar. O pedido de liminar foi negado um mês e meio após a distribuição dos autos, também fazendo considerações genéricas sobre a gravidade abstrata do crime.
 
Em seguida, novo habeas corpus foi impetrado, dessa vez ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas a Ministra relatora nem sequer analisou o pedido, aplicando por analogia a Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo a qual não compete à Suprema Corte conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão de relator de habeas corpus endereçado a tribunal superior, indefere a liminar.
 
HC ao STF
 
Em habeas corpus impetrado em 25/8/2015 ao STF, o Defensor Bruno Shimizu apontou que a Súmula 691 não pode ser aplicada pelo STJ, pois este tem competência fixada pelo artigo 105 da Constituição Federal para apreciar habeas corpus quando tiver sido negado por desembargador de Tribunal de Justiça estadual – caso em questão. Ainda segundo Shimizu, a aplicação da Súmula pelo STJ viola o artigo 5º, inciso XXXV, da Carta Magna, que prevê a inafastabilidade da análise do Judiciário quanto a lesão ou ameaça a direito.
 
O Defensor também apontou a inexistência dos requisitos para a prisão preventiva – garantia da ordem pública, conveniência da instrução processual ou preservação da aplicação da lei penal. “Com a devida vênia, é espantoso que um juízo fundamente uma prisão preventiva, com base na ‘ordem pública’, de uma cidadã transexual, em estágio avançado de desenvolvimento da AIDS e bilateralmente cega. Isso parece demonstrar a absoluta insensibilidade do Poder Judiciário Paulista, que insiste na utilização de formulários desconectados dos casos concretos para promover o encarceramento em massa da população mais vulnerável, provocando uma verdadeira ‘avalanche’ de Habeas Corpus oriundos de São Paulo aos Tribunais Superiores”, afirmou Bruno Shimizu.
 
Outro argumento apresentado é o de que, como a transexual é portadora do vírus HIV e de cegueira total e irreversível – demandando atenção médica especializada permanente –, certamente fará jus ao indulto humanitário, não sendo lógico submetê-la à prisão durante a tramitação do processo.
 
Decisão do STF
 
No dia 16/2/2016, o Ministro relator no STF, Marco Aurélio, reconheceu liminarmente o excesso de prazo na prisão cautelar e determinou a soltura da mulher. No entanto, o Juízo de origem do caso não cumpriu a medida, apontando que em 29/10/2015 a presa havia sido condenada à pena de cinco anos e dez meses de reclusão. Ela recorreu da sentença, mas sem direito a recorrer em liberdade.
 
A recusa ao cumprimento da decisão foi comunicada ao STF, e o Ministro Marco Aurélio, em 25/2/2016, determinou novamente a soltura imediata da mulher, sob o entendimento de que a sentença condenatória posterior à prisão não mudava sua natureza de preventiva, e que esta se mantinha com os mesmos fundamentos e com excesso de prazo em sua duração.