Defensoria Pública ajuíza habeas corpus perante TJSP em favor de 30 mulheres acusadas criminalmente de aborto, argumentando pela inconstitucionalidade do crime

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”

Publicado em 28 de Setembro de 2017 às 12:00 | Atualizado em 28 de Setembro de 2017 às 12:00

A Defensoria Pública de SP impetrou nesta quinta-feira (28) um conjunto de 30 habeas corpus ao Tribunal de Justiça paulista (TJ-SP) em favor de mulheres acusadas criminalmente de terem praticado aborto, argumentando pela inconstitucionalidade dessa criminalização.
 
Em novembro de 2016, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por maioria de votos, a inconstitucionalidade de criminalização do aborto até o terceiro mês de gestação (saiba mais abaixo).
 
Os habeas corpus pedem o arquivamento das ações penais atualmente em curso pelo crime tipificado no artigo 124 do Código Penal (“Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque”) e abarcam todos os processos identificados no Estado entre os anos de 2011 e 2016. O levantamento de casos foi feito pelo TJSP a pedido do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria, cujas Defensora Públicas Coordenadoras assinam os habeas corpus – Ana Rita Souza Prata e Paula Sant’Anna Machado de Souza.
 
Segundo Ana Rita Prata, como a pena máxima para o crime é de três anos de detenção, os casos em regra culminam com a suspensão condicional do processo, sob condições como comparecimento periódico à Justiça – o que em geral as mulheres acusadas aceitam. A consequência disso é que os processos acabam sem discussão sobre a constitucionalidade da criminalização ou a ilegalidade das provas obtidas, afirma a Defensora.
 
Argumento pela inconstitucionalidade
 
A Defensoria argumenta que a criminalização do abortamento é incompatível com a Constituição de 1988, como em seu princípio da dignidade da pessoa humana, do qual deriva o direito à autodeterminação sobre o próprio corpo. Também aponta que a criminalização viola diversas outras previsões constitucionais, como os direitos à inviolabilidade da intimidade e da vida privada e ao livre planejamento familiar, bem como a natureza laica do Estado brasileiro e o princípio da intervenção penal mínima.
 
Entre outros argumentos, os habeas corpus fazem menção a dispositivo da Convenção Americana de Direitos Humanos, segundo o qual toda pessoa tem direito à vida, que em geral deve ser protegido desde a concepção. Sobre isso, enfatiza que a Corte Interamericana de Direitos Humanos entendeu que a concepção se dá no momento de implantação do zigoto no útero, mas ressaltou que ela é protegida justamente para se proteger a mulher grávida – esta sim com status de pessoa já nascida e formada e cujos direitos sexuais e reprodutivos devem prevalecer.
 
Precedente do STF
 
Em um habeas corpus julgado em novembro de 2016, a 1ª Turma do STF decidiu, por maioria de votos, que a criminalização do aborto até o terceiro mês de gestação é inconstitucional. Conforme a decisão, a criminalização nesse período fere direitos sexuais e reprodutivos, o direito à autonomia, a integridade física e psíquica, bem como o direito à igualdade.
 
“A tudo isto se acrescenta o impacto da criminalização sobre as mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbito”, aponta o acórdão do Habeas Corpus nº 124.306. A decisão foi tomada pelos Ministros Roberto Barroso, Edson Fachin e Rosa Weber. O Ministro Marco Aurélio restou vencido com relação a essa tese.
 
Além da inconstitucionalidade, a Defensoria aponta em cerca de metade dos casos a nulidade dos processos criminais, em decorrência de violação do sigilo profissional por agentes de saúde, que denunciaram as mulheres depois de as atenderem por complicações decorrentes do aborto. Outro argumento apresentado é a falta de provas que demonstrem a relação de causalidade entre a conduta da mulher e a interrupção da gestação.