Após denúncia da Defensoria Pública de SP, Comissão Interamericana de Direitos Humanos irá investigar o Brasil pelos crimes de maio de 2006

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.

Publicado em 5 de Agosto de 2021 às 17:30 | Atualizado em 5 de Agosto de 2021 às 17:30

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) acolheu a denúncia da Defensoria Pública e irá investigar as mortes e os desaparecimentos durante os Crimes de Maio, que ocorreram em maio de 2006. 

Em 2015, a Defensoria Pública, por meio de seu Núcleo de Cidadania e Direito Humanos, havia feito uma denúncia à CIDH em razão dos ataques que ficaram conhecidos como "crimes de maio", pedindo o reconhecimento das violações cometidas pelo Estado brasileiro contra as vítimas identificadas e, determinando a reparação integral das suas consequências.

Hoje, após quase duas décadas, as autoridades públicas não esclareceram as centenas de execuções praticadas por grupos de extermínio nas periferias de São Paulo, entre os dias 12 e 21 de maio de 2006. O episódio deixou mais de 500 mortos, na maioria jovens e negros, além de pelo menos quatro pessoas que estão desaparecidas desde então. 

Para embasar a denúncia, foram apresentados seis casos de execuções sumárias ocorridas em maio de 2006 e março de 2007, todas na cidade de Santos. Nas descrições, foram apontadas diversas falhas na apuração dos casos, como a falta de preservação ou de perícia no local dos crimes, ausência de depoimento de testemunhas presenciais ou dos policiais mencionados por testemunhas, falta de conservação de prova material, entre outras. Em todas as situações assinaladas, os inquéritos policiais foram arquivados e os crimes não foram solucionados.

No relatório emitido, a CIDH aponta que as alegações feitas pela Defensoria Pública requerem um estudo de mérito pois, “se corroborados como certos, podem caracterizar violações aos direitos à vida, integridade pessoal, liberdade pessoal, garantias judiciais, direitos da criança e do adolescente, proteção judicial, previstos na Convenção Americana”

"Como a própria OEA reconhece em seu relatório, não há qualquer justificativa para até hoje não haver resposta do Estado aos Crimes de Maio, que são um marco da impunidade da violência policial no Brasil. O caso apresentado pela Defensoria relata a execução sumária de 9 jovens que não tinham qualquer antecedente criminal e foram alvos de ações da polícia simplesmente por serem negros e habitarem regiões periféricas da cidade. As investigações tiveram diversas falhas e, após 15 anos, não houve qualquer responsabilização. Assim, a decisão da OEA é um marco importante para reverter essa situação", afirma a Defensora Pública Fernanda Penteado Balera, Coordenadora auxiliar do NCDH.

Crimes sem resolução

As investigações sobre as mais de 500 mortes em 2006 nunca foram concluídas. Em 2009, a Conectas pediu à PGR (Procuradoria-Geral da República) a federalização de um dos casos mais emblemáticos dos Crimes de Maio: a chacina do Parque Bristol. A transferência para a esfera federal permitiria que as investigações fossem reabertas e realizadas por peritos independentes do Ministério Público Federal e pela Polícia Federal.

Somente em maio de 2016, dez anos após os assassinatos, o então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, acatou a solicitação e apresentou ao Superior Tribunal de Justiça o pedido de federalização. O caso segue sem julgamento. 

Em maio de 2021, 15 anos após os chamados “crimes de maio”, a Defensoria Pública, e a Conectas enviaram uma petição à CIDH pedindo que o governo brasileiro seja cobrado acerca dos desaparecimentos. Na petição apresentada, a Defensoria apontou a realização de agressões e assassinatos, atos de intimidação e detenção arbitrária, bem como falhas investigativas e de processamento dos crimes - que resultaram em impunidade.

A Defensoria Pública também atua nos casos envolvendo os desaparecimentos e mortes ocorridas em maio de 2006, tendo ingressado com oito ações de indenização por danos morais e materiais contra o Estado de SP, em favor dos familiares das vítimas, das quais três tiveram resultados favoráveis.

A sociedade civil e a Defensoria Púbica já recorreram três vezes à OEA sobre os Crimes de Maio. Em 2009, a Conectas e os familiares das vítimas denunciaram o caso à CIDH alegando violação, por parte do Estado Brasileiro, da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo país em 1992. A Defensoria Pública, por sua vez, também acionou a Comissão em 2015, pedindo o reconhecimento das violações cometidas pelo Estado brasileiro contra as vítimas identificadas, determinando, assim a reparação integral das suas consequências. 

Em 2018, a Defensoria Pública e o Ministério Público ajuizaram uma ação civil pública contra o Estado de São Paulo, também com objetivo de fazer com que os crimes de maio sejam reconhecidos como grave violação de direitos humanos, e que seja feito pagamento de indenizações por danos morais individuais e coletivos. Após decisões de primeira e segunda instâncias que apontaram a prescrição dos casos, houve recursos aos Tribunais Superiores (STJ e STF), que ainda não foram analisados.