Santos: Defensoria Pública obtém registro tardio para homem mais de 40 anos após seu nascimento

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”

Publicado em 29 de Janeiro de 2018 às 08:00 | Atualizado em 29 de Janeiro de 2018 às 08:00

Mais de quatro décadas depois de nascer e de muitas andanças por ruas do Brasil, um pernambucano que até poucos anos atrás não tinha onde morar conquistou um direito básico: sua certidão de nascimento. Por meio da Defensoria Pública, ele adquiriu o registro tardio e agora, finalmente, pode exibir um documento que comprove sua origem. O ano de nascimento foi determinado por meio de perícia médica, mas, como não havia qualquer informação sobre o dia exato, ele próprio escolheu 12 de outubro, pois sempre gostou do Dia das Crianças.
 
José Carlos Alves da Silva agora tem oficialmente 42 anos de idade e é natural de Caruaru (PE). De lá, mudou-se ainda muito novo com os pais e os 12 irmãos para Arapiraca, no Estado de Alagoas, mas constantes brigas o levaram a abandonar a casa aos 12 anos, e ele foi morar nas ruas.
 
O então garoto sobrevivia pedindo comida de casa em casa. Sem documentos, foi pegando caronas e, de viagem em viagem, chegou ao Estado de São Paulo – ele não sabe quando, pois o uso de drogas o fez perder a noção do tempo. Já mais velho, passou a fazer bicos, em pintura, como ajudante de pedreiro e até barqueiro. Aqui esteve em lugares como Mogi das Cruzes, Bertioga e o bairro do Brás, na Capital, até ir parar em Santos, há cerca de quatro anos.
 
Foi na Baixada Santista que José conheceu sua companheira, ela também em situação de rua, sem documentos e dependente química. Apoiada por uma instituição, ela conseguiu obter sua certidão de nascimento por meio do escritório experimental de uma universidade de Santos.
 
“Foi ela que me inspirou a correr atrás, procurar a Defensoria”, afirma José Carlos, que após conhecer a mulher largou as drogas e as ruas, indo viver com ela em uma casa alugada. Pouco depois, ele conseguiu trabalho num supermercado, mas seria dispensado se não regularizasse sua situação de falta de documentação.
 
Falta que nunca permitira a José Carlos ter um trabalho registrado em carteira. Viajar também era um problema, pois é necessário apresentar documento para embarcar em um ônibus. “Era muita burocracia. Quando ia comprar alguma coisa numa loja, sempre pedia à vista para evitar isso”, diz. Conta em banco? Também nem pensar. Era difícil guardar dinheiro.
 
Em setembro de 2015, José Carlos procurou a Defensoria em Santos pedindo assistência jurídica para conseguir o registro de nascimento. A Defensora Pública Lisa Mortensen ingressou então com uma ação judicial, dando início a um longo processo. Foram expedidos ofícios a diversos órgãos, como Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco e paróquias da cidade de Caruaru, buscando registros da origem de José.
 
Sem informações, o Ministério Público pediu que fossem feitos exames médicos para aferir a provável idade biológica do homem. Até para isso a falta de documentos atrapalhou, pois não podia pegar um ônibus por si só, e precisou ser transportado em uma viatura da Defensoria até o Imesc (Instituto de Medicina Social e de Criminologia), em São Paulo. Após raios-x de crânio, bacia e coluna, a perícia concluiu que José era uma pessoa na quinta década de vida, com cerca de 42 anos.
 
A sentença determinando o registro tardio de nascimento saiu no final de outubro de 2017, e em dezembro foi determinada a averbação para a realização do registro.
 
Agora José Carlos continua trabalhando no mesmo lugar, mas com carteira assinada. “Esperei tantos anos para ter meu registro. Foi uma burocracia, mas valeu a pena”, afirma. O próximo passo é solicitar o RG, em atendimento já agendado. Com toda a documentação em dia, ele e a companheira querem se casar. “Temos aliança, que é de prata, mas logo vou por uma de ouro no meu dedo e no dela”, diz.
 
Seu nome estampado publicamente? José Carlos não liga. Acha que seria até bom porque, quem sabe, os parentes poderiam ver a matéria. “Ainda tenho fé de que minha mãe esteja viva”, afirma.