Multimaternidade: representada pela Defensoria Pública, mulher obtém reconhecimento de maternidade afetiva, sem exclusão de vínculo da filha com mãe biológica

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”

Publicado em 27 de Setembro de 2016 às 17:00 | Atualizado em 27 de Setembro de 2016 às 17:00

A adolescente Bruna (nome fictício), de 16 anos, não conheceu seu pai e, em março deste ano, perdeu sua mãe, vítima de trombose pulmonar. Mas Bruna não ficou sozinha ou desassistida, pois tinha outra mãe, Andréia (nome fictício), que a criou desde o nascimento, em auxílio recíproco com a mãe biológica, Sofia. Andréia, a quem Bruna sempre reconheceu como uma segunda mãe, agora teve a maternidade socioafetiva reconhecida pela Justiça, após ação em que foi representada pela Defensoria Pública de SP na cidade de São Carlos.

Em 31/8, a 2ª Vara de São Carlos reconheceu a maternidade afetiva de Andréia sobre Bruna, sem a exclusão do vínculo biológico existente entre a adolescente e Sofia.

Sofia e Andréia eram amigas de infância. Quando Sofia engravidou, aos 17 anos, o pai da criança não assumiu a paternidade e nem mesmo registrou a filha. Quando a criança tinha 1 ano, os avós de Bruna morreram. Ela e a filha foram então morar na casa da amiga, que morava com os pais. Neste contexto, Andréia ajudou a criar Bruna e as duas desenvolveram forte vínculo afetivo.

Em 2015, as duas amigas e a filha saíram da casa dos pais de Andréia para morar em um apartamento alugado. No ano seguinte, Sofia morreu, aos 36 anos. Diante desta situação, a autora procurou a Defensoria Pública a fim de ter reconhecida a maternidade socioafetiva em relação à adolescente. No pedido à Justiça, o Defensor Público Jonas Zoli Segura anexou uma carta escrita por Bruna na qual é descrita com precisão não só a relação cotidiana que mantinha com as duas mães como também a forte relação afetiva que mantém com Andréia.

“Desde o nascimento da infante, a requerente não só nutriu grande afeto por ela, mas exerceu, em conjunto com Sofia, efetivo papel de mãe, propiciando a Bruna todas as necessidades inerentes a uma pessoa em desenvolvimento”, afirma o Defensor no requerimento. “Em razão da convivência e do amor recíproco existentes, a relação entre a requerente e a adolescente é típica de uma família. Dessa forma, por analogia, estão preenchidos os requisitos dos artigos 42 e 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma vez que o deferimento do presente pedido é medida que demonstra reais vantagens para a adolescente”, acrescenta.

O Juiz Claudio do Prado Amaral, em sua decisão, apontou que precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheciam a paternidade ou maternidade decorrente de relação socioafetiva – como em casos de adoções informais ou casais de pessoas do mesmo sexo. Por isso, decidiu pelo direito da adolescente à multimaternidade.

Decisão do STF

Cerca de 20 dias após a decisão da Justiça em São Carlos, o plenário do STF decidiu, em 21/9, que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios". A decisão, por maioria de votos, tem efeito vinculante ao Judiciário de todo o País, pela repercussão geral reconhecida ao caso.

O relator do Recurso Extraordinário nº 898060, Ministro Luiz Fux, considerou que o princípio da paternidade responsável impõe que, tanto vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto aqueles originados da ascendência biológica, devem ser acolhidos pela legislação. Segundo ele, não há impedimento do reconhecimento simultâneo de ambas as formas de paternidade – socioafetiva ou biológica –, desde que este seja o interesse do filho. Para o ministro, o reconhecimento pelo ordenamento jurídico de modelos familiares diversos da concepção tradicional, não autoriza decidir entre a filiação afetiva e a biológica quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos os vínculos. Saiba mais aqui, com informações do Supremo Tribunal Federal