Vale do Ribeira: Defensoria obtém sentença que extingue cobrança de R$ 6 milhões de comunidade quilombola por danos ambientais provocados por terceiros
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.
A Defensoria Pública de SP obteve sentença favorável a um embargo de execução interposto pela Defensoria contra pedido de aplicação de multa de mais de R$ 6 milhões em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público estadual (MP-SP) contra comunidade quilombola por danos ambientais provocados por terceiros.
Localizada na cidade de Barra do Turvo e com origens que remontam ao século XVIII, a comunidade quilombola do Cedro é composta por cerca de 20 famílias que vivem em moradias simples de madeira rústica e praticam agricultura de subsistência. O abastecimento de água é improvisado, e o esgotamento sanitário, feito por fossas.
Em 2006, a associação que representa a comunidade informou o Ministério Público Federal (MPF) sobre ameaças que vinha recebendo e falta de fiscalização de danos ambientais provocados por terceiros que haviam ocupado parte das terras e transformado a área em pastagem. O território pertence ao Estado, como parte do “Mosaico do Jacupiranga”, que abrange vários tipos de unidades de conservação. Os quilombolas têm direito a permanecer e fazer uso sustentável das áreas ocupadas ancestralmente, e haviam notificado os terceiros sobre as proibições de atividades.
A representação foi então encaminhada pelo MPF ao Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público. Consultada, a Fundação Florestal afirmou em 2010 que o abandono da área seria suficiente para a regeneração florestal, facilitada pela presença da mata próxima.
Recuperação ambiental e cobrança judicial
Porém, no mesmo ano o MP-SP deliberou que a Associação Nova Esperança Quilombola do Bairro Cedro, solidariamente com o terceiro, ficaria responsável pela recuperação dos danos ambientais, por possuir “futuro interesse” na área – a comunidade conta com certidão de autorreconhecimento pela Fundação Cultural Palmares, reconhecida pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo, e passa por processo de regularização fundiária pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
Assim, a Fundação Florestal apresentou projeto para recuperação da área, culminando na assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre MP-SP, Associação Quilombola do Cedro e o terceiro. Desde então, a comunidade vinha empregando todos os esforços possíveis, chegando a cumprir quase todo o plano previsto, até que em 2017 um incêndio de origem desconhecida atingiu o território, consumindo 60% da área de regeneração.
A Associação, que já havia gasto cerca de R$ 10 mil com o projeto, comunicou a inviabilidade de refazer o trabalho, devido ao alto custo. Em 2018, o Instituto Florestal sugeriu abandono, proteção e regeneração natural da área como medidas suficientes e adequadas à recuperação ambiental.
Contudo, o MP-SP ingressou com um pedido de execução judicial contra a associação quilombola, alegando descumprimento do TAC. A medida motivou a Defensoria Pública de SP a buscar uma articulação com a Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Cultural Palmares com o objetivo de garantir a defesa jurídica dos quilombolas.
Responsabilização
Em embargos à execução e representando a associação, o Defensor Público Andrew Toshio Hayama, que atua na unidade da Defensoria em Registro, argumentou que a comunidade assumira o compromisso de reverter os danos ambientais provocados por terceiro, mesmo sem ter qualquer vínculo jurídico com a área degradada, e que o TAC criou de forma artificial uma modalidade de responsabilidade em razão de um interesse futuro do domínio da área.
A Defensoria ressaltou, ainda, que em nenhum momento o Estado – proprietário da área e responsável pela fiscalização – foi responsabilizado pelos danos ambientais, e que a execução do TAC imputou aos quilombolas uma dívida impossível de ser adimplida, inviabilizando a existência e o funcionamento da associação. Quanto ao mérito do caso, a Defensoria pediu a extinção do processo ou, subsidiariamente, o reconhecimento do adimplemento substancial do TAC, apontando o cumprimento quase total do plano de recuperação ambiental.
“A responsabilização patrimonial de nada adiantará, tendo em vista que o quilombo de Cedro não terá nenhuma condição de arcar com tais valores, servindo a medida apenas para impedir sua existência digna e inviabilizar o funcionamento da Associação, pessoa jurídica que representa a comunidade para todos os fins e efeitos”, acrescentou o Defensor.
Na sentença, a Juíza Ana Carolina Gusmão de Souza Costa, da 2ª Vara da Comarca de Jacupiranga, acolheu os embargos e julgou extinta a ação. "Antes da ocorrência do incêndio, as medidas acordadas no TAC foram praticamente todas implantadas de acordo com a informação técnica elaborada pela Secretaria do Meio Ambiente. Consta, ainda, desta informação que, em vistoria realizada no local, foi possível verificar que a área está isolada e passa por processo de recuperação satisfatória, mesmo após o incêndio", pontuou a Magistrada.