Direito penal: STF acolhe argumento da Defensoria e não admite apelação contra decisão do Júri que absolveu réu por clemência

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.

Publicado em 26 de Novembro de 2020 às 10:30 | Atualizado em 26 de Novembro de 2020 às 10:30

A Defensoria Pública de SP obteve no STF (Supremo Tribunal Federal) um acórdão que restabeleceu a absolvição de um réu pelo Tribunal do Júri. A Suprema Corte corroborou a tese sustentada pela Defensoria de que o Júri goza de ampla e irrestrita autonomia na formulação de juízos absolutórios, especialmente quando essa decisão for calcada em quesito genérico (como no caso de clemência).

Assim, o STF invalidou acórdão do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP) que tinha determinado a realização de novo julgamento pelo tribunal popular sob a justificativa de absolvição marcada por suposta contrariedade à prova dos autos.
 
O réu havia sido absolvido por maioria de votos do Conselho de Sentença em sessão do Júri ocorrida em fevereiro de 2017, realizada a defesa pelo Defensor Público João Felippe Belem de Gouvea Reis. Dentre as teses argumentadas, foram ressaltadas a existência de legítima defesa e a necessidade de clemência no caso concreto.
 
O representante do Ministério Público (MP-SP) interpôs recurso de apelação postulando a anulação do julgamento, sustentando que o veredito foi tomado de forma manifestamente contrária à prova constante dos autos. O TJ-SP deu provimento ao recurso da acusação para determinar a submissão do acusado a novo julgamento. Diante disso, a Defensoria interpôs recurso especial e, posteriormente, agravo, que não foram conhecidos pelo Superior Tribunal de Justiça - motivo pelo qual foi impetrado habeas corpus perante o STF.
 
No habeas corpus, o Defensor Público Gabriel Kenji Wasano Misaki, que atua na unidade da Defensoria em Mauá, sustentou que o MP-SP não pode recorrer alegando decisão contrária às provas dos autos, pois a absolvição deu-se pelo terceiro quesito previsto no artigo 483 do Código de Processo Penal, isto é, quando o Júri é questionado se o réu deve ser absolvido. 
 
“Considerando que referido quesito inclui todas as teses absolutórias, inclusive as que eventualmente sequer foram arguidas pela defesa, e que os jurados não precisam e não devem fundamentar sua decisão, é impossível saber qual foi o motivo pelo qual os jurados absolveram o réu, sendo impossível assim argumentar-se que tal motivo seja manifestamente contrário à prova dos autos”, afirmou o Defensor. 

Ele demonstrou ainda que, tanto em doutrina quanto na jurisprudência, o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri goza de ampla e irrestrita autonomia na formulação de juízos absolutórios. 

O Defensor Daniel Durvalt atuou no caso formulando o Recurso Especial e o Defensor Rafael Munerati, do Núcleo Especializado de Segunda Instância e Tribunais Superiores, fez a sustentação oral no STF.
 
Em acórdão proferido pela sua 2ª Turma do Supremo, o argumento da Defensoria foi acolhido por unanimidade. O Tribunal concedeu o habeas corpus e invalidou o acórdão do TJ-SP que determinava novo julgamento, mantendo a absolvição do acusado. “O Júri é uma instituição voltada a assegurar a participação cidadã na Justiça Criminal, o que se consagra constitucionalmente com o princípio da soberania dos veredictos”, consta a decisão. Embora o Relator tenha sido o Ministro Celso de Mello, em razão de sua aposentadoria, o acórdão foi redigido pelo Ministro Gilmar Mendes. 
 
“Vários Defensores atuaram neste caso, o que demonstra a importância do trabalho conjunto de vários colegas com o sucesso de uma decisão paradigmática”, avaliou Rafael Munerati após a decisão.