Defensoria obtém na Justiça condenação do Município de São Paulo em sucessivas violações dos direitos da população em situação de rua
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.
Duas decisões obtidas recentemente pela Defensoria Pública de SP chamam a atenção para o tratamento que a população em situação de rua da capital paulista recebe do Poder Público. Ambos os casos têm como objeto ações de zeladoria e reintegração de posse levadas a cabo pelo Município de São Paulo, uma na praça Princesa Isabel e a outra no Viaduto Júlio de Mesquita Filho, ambas na região central da cidade.
Nas ações, a Defensoria sustenta que as ações de zeladoria não observaram normativas estipuladas pela própria Prefeitura e violaram direitos das pessoas em situação de rua. Nessas ocasiões, sem diálogo ou aviso prévio, as equipes da prefeitura apreenderam bens e pertences das pessoas que ocupavam os locais alvos das ações, sem a entrega de contralacre ou informações sobre local para retirada dos itens. Além disso, as denúncias dão conta de que parte dos objetos apreendidos foram destruídos no próprio local. Ambas as ações tiveram parecer favorável do Ministério Público (MP-SP).
Danos morais e materiais
“É fato notório que os direitos da população em situação de rua são frequentemente negligenciados pelos órgãos estatais e que há significativa dificuldade material para coletar e preservar provas – decorrência óbvia da vulnerabilidade e inconstância dessa população. Ainda assim, no caso vertente, restou robustamente demonstrada a absoluta inobservância das normas municipais pelo próprio Município na ação de zeladoria objeto desta ação”, apontaram o Defensor Davi Quintanilha Failde de Azevedo e as Defensoras Fernanda Penteado Balera e Letícia Marquez de Avelar, do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria (NCDH) na ação referente ao Viaduto Júlio de Mesquita Filho, destacando que o procedimento foi realizado sem ordem judicial e que dele decorreu tumulto e incêndio no local.
Neste caso, após decisão de primeira instância condenando o Município ao pagamento de indenização por danos morais e materiais às vítimas, a 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça (TJ-SP), nesta quinta-feira (25/2) julgou improcedente o recurso interposto pelo réu, confirmando a sentença anterior, que obrigava o Município a devolver às pessoas que viviam sob o viaduto os bens apreendidos na ação de zeladoria urbana ou, caso impossível, indenizar por perdas e danos, além de determinar o pagamento de indenização por danos morais às vítimas daquela ação de zeladoria, ocorrida em 2017.
O Defensor Público Felipe Romariz, do Núcleo Especializado de Segunda Instância e Tribunais Superiores, fez a sustentação oral.
Confisco de barracas e pertences
No processo relativo à Praça Princesa Isabel a atuação das equipes do Município foi semelhante, tendo ocorrido em mais de uma ocasião. Foram retiradas e inutilizadas barracas desmontáveis das pessoas em situação de rua, bem como apreendidos documentos pessoais e objetos de primeira necessidade. Após receber a denúncia, uma equipe multidisciplinar do NCDH foi até o local ouvir as vítimas e colher informações e, nesta ocasião, ocorreu mais uma ação de zeladoria, testemunhada pela equipe da Defensoria.
De acordo com o Decreto Municipal Nº 59.246/2020, as ações de zeladoria urbana definem-se como o “conjunto de atividades e serviços executados pelo Poder Público Municipal e por empresas por ele contratadas visando promover a limpeza, manutenção ou recuperação de áreas públicas, tais como varrição, limpeza de bueiros e calçadas, lavagem e varrição de calçadas e ruas, cata-bagulho, reformas, reparos e outras atividades de mesma natureza”.
Na ação civil pública proposta pela Defensora Renata Groetaers dos Santos, com suporte do NCDH, ela pontua que “não é novidade para as autoridades públicas que a limpeza urbana na cidade de São Paulo tem o potencial de entrar em conflito com os direitos de pessoas em situação de rua”. Sustenta ainda que as ações violam o decreto e a Portaria Intersecretarial nº 04/SMSUB/SMDHC/2020, que o regula e que determina, entre outras medidas, que ações de zeladoria urbana serão precedidas pela realização de abordagem social à população em situação de rua e que as equipes devem informar quanto à realização da ação, aos procedimentos que deverão ser seguidos, aos itens que podem ser recolhidos e como recuperá-los.
Nesta sexta-feira (26/02), a Juíza Gilsa Elena Rios, da 15ª Vara da Fazenda Pública da Capital concedeu liminar favorável ao pedido da Defensoria para determinar que as operações de zeladoria sejam acompanhadas dos agentes da Assistência Social, e caso ocorra apreensão de pertences pessoais, seja fornecido o contralacre por escrito com a descrição dos objetos retidos e indicação do local em que poderão ser retirados, sem a incidência de multa o cobrança de taxa para a liberação.
“As leis que salvaguardam os direitos das pessoas em situação de rua foram desrespeitadas, inclusive durante a pandemia, período no qual essa população aumentou e a vulnerabilidade dessas pessoas também”, comentou a Defensora Fernanda Balera após o proferimento das duas decisões.