Após ação da Defensoria para tutela de patrimônio cultural quilombola, acordo devolve a comunidade a organização da Festa do Pescador em Cananeia

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.

Publicado em 11 de Março de 2021 às 12:30 | Atualizado em 11 de Março de 2021 às 12:30

Em um acordo judicial celebrado no âmbito de ação civil pública proposta pela Defensoria Pública de SP, a comunidade quilombola de Porto Cubatão, situada no município de Cananeia, no Vale do Ribeira, retomou o protagonismo na organização e realização da Festa do Pescador, da qual foi idealizadora e organizadora por muitos anos. Em contrapartida, o município se comprometeu a inserir a festa tradicional no calendário oficial municipal, o que permitirá apoio, financiamento e previsão orçamentária. 

Em setembro de 2011, a Comunidade Quilombola de Porto Cubatão criou a “I Festa do Pescador”, com os objetivos de fortalecer a cultura quilombola e a organização comunitária, servir como alternativa para geração de renda aos/às moradores/as do bairro, valorizar a gastronomia e as belezas do bairro e da região, desenvolver o turismo local.

Desde a primeira edição, a Festa do Pescador contou com apoio da Prefeitura, considerando que se tratava de investimento para o desenvolvimento da cultura e do turismo local. A partir da 6ª edição do evento, a Associação de Moradores do Bairro Porto Cubatão passou a participar mais ativamente da Comissão Organizadora. No ano de 2017, já na 7ª edição, a Comunidade Quilombola se desentendeu com a Associação de Moradores do Bairro e, para evitar o acirramento de conflitos, preferiu afastar-se naquele ano da coordenação do evento. Em 2018, a Comunidade procurou a Associação do Bairro para retomar o diálogo e a participação na Comissão Organizadora da VIII Festa do Pescador, mas foi rechaçada e informada de que o evento seria organizado naquele ano pelo município de Cananeia. Assim, os representantes da comunidade procuraram a Defensoria Pública, que, após tentativas infrutíferas de resolução extrajudicial, ajuizou ação civil pública em face do Município de Cananeia e da associação de moradores.

“A Prefeitura, ao tomar a festa tradicional da Comunidade Quilombola, agiu ferindo princípios da Administração Pública, como a boa-fé, e violou direitos culturais que deveria proteger. Mesmo questionado pela Comunidade Quilombola, que enviou ofícios antes da realização da VIII Festa do Pescador exigindo esclarecimentos sobre a situação, o município de Cananeia manteve inabalável a decisão de excluir a idealizadora do evento e de sequestrar patrimônio cultural construído por grupo tutelado pela legislação brasileira”, sustentou na ação o Defensor Público Andrew Toshio Hayama, que atua na unidade da Defensoria em Registro.

Povos e comunidades tradicionais

O Defensor destacou também que o próprio Município de Cananeia, por meio da Lei Municipal nº 2085/2011, protege Povos e Comunidades Tradicionais no âmbito do seu território, criando, inclusive, um Conselho Municipal dos Povos e Comunidades Tradicionais de Cananeia. “A referida lei tem como base a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais, instituída pelo Decreto Federal nº 6040/07, e adota como princípios o direito à autodefinição da condição étnica pela própria comunidade e o respeito à autonomia destes grupos por meio do reconhecimento de que ‘todos os acordos comunitários, realizados entre as comunidades tradicionais e que se relacionam às práticas necessárias para a manutenção de seus meios de vida, através do acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para a sua reprodução física, cultural e econômica, social e religiosa’”, afirmou Andrew Toshio.

Formada por famílias originalmente provenientes da Comunidade Quilombola do Mandira que se estabeleceram no bairro a partir da década de 1970, a comunidade recebeu certificação da Fundação Cultural Palmares e está em processo de regularização do território por meio do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), tratando-se, portanto, de quilombo urbano oficialmente reconhecido pelo Estado brasileiro.

Na decisão, o Juiz Thiago Zampieri da Costa indeferiu o pedido de liminar e julgou oportuno o agendamento de uma audiência de conciliação, que foi realizada em 9/3. Assim, as partes celebraram acordo no qual a Prefeitura de Cananéia aceita não ser mais a idealizadora da Festa do Pescador, limitando-se a atuar como apoiadora/patrocinadora. A Prefeitura também se comprometeu a inserir o evento no calendário anual de festas do município. Em contrapartida, a Comunidade Quilombola de Porto Cubatão e a Associação Recreativa, Esportiva e Cultural dos Moradores do Bairro Porto Cubatão concordam em serem responsáveis conjuntamente pela idealização e organização do evento, de modo que ambas estarão representadas na festa.

A Festa do Pescador não ocorreu em 2020 e está cancelada em 2021, por causa da pandemia. No entanto, o acordo vale para os eventos a serem realizados assim que houver condições para isso.