Defensoria encaminha a comissão internacional relatórios de inspeção em presídios relatando violações de direitos e medidas insuficientes de combate contra Covid-19

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.

Publicado em 29 de Abril de 2021 às 10:00 | Atualizado em 29 de Abril de 2021 às 10:00

A Defensoria Pública de SP, por meio de seu Núcleo Especializado de Situação Carcerária,  enviou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) um documento contendo relatórios de inspeções feitas por Defensores/as integrantes do órgão em unidades prisionais do Estado.  

No documento, Defensores e Defensoras responsáveis apontam que das 178 unidades prisionais do Estado, 69% encontram-se superlotadas, 70,8% fazem racionamento de água, 69% das pessoas presas não recebem itens de higiene quando necessitam e 77,28% das unidades não têm equipe mínima de saúde. 

A Defensoria demonstra nos relatórios de inspeção que presídios falham nas condições de proteger as pessoas presas da Covid-19, uma vez que não há estrutura física capaz de garantir o distanciamento social e de proporcionar o isolamento de pessoas infectadas pelo vírus, não há fornecimento suficiente de água, sabonete e álcool em gel para higienização das mãos, ou distribuição suficiente de máscaras de proteção. Constatou-se também não haver disponibilidade de médicos e outros profissionais de saúde para o atendimento adequado nas unidades e nem de transporte regular para atendimentos externos de saúde.

A manifestação solicita à Comissão a realização de uma audiência temática virtual para tratar dessa questão e pediu que o Estado brasileiro seja instado a prestar esclarecimentos sobre as violações de direitos contidas no documento e a ausência de medidas concretas para preservação da vida das pessoas presas durante a pandemia da Covid-19. 

Inspeções durante a pandemia

Desde o início da pandemia, foram realizadas 21 inspeções – 11 em 2020 e 10 em 2021 – em diferentes tipos de unidades prisionais – 13 em Centros de Detenção Provisória (CDPs), 6 em penitenciárias e 2 em Centros de Ressocialização. Até o momento foram concluídos 14 relatórios de inspeção, contemplando 9 relatórios de inspeções em Centros de Detenção Provisória masculinos e 5 em Penitenciárias - 1 delas feminina.

“Com este material é possível compreender quais são as violações de direitos cotidianas do sistema prisional, através do olhar de Defensores/as Públicos/as, do relato das próprias pessoas presas que vivenciam no corpo as péssimas condições de aprisionamento e, por fim, com base nas informações fornecidas pelas diretorias dos presídios”, informam no documento encaminhado à CIDH os Defensores Matheus Oliveira Moro, Thiago de Luna Cury e Leonardo Biagioni de Lima, Coordenadores do Núcleo Especializado de Situação Carcerária. “As ilegalidades compreendem violações de normas constitucionais, além de leis infraconstitucionais, como a Lei de Execução Penal e normativas internacionais recepcionadas pelo estado brasileiro, como as Regras de Bangkok e as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos - Regras de Mandela, incorporadas na Constituição Estadual de São Paulo”.

A seguir, algumas das informações que constam do relatório: 

Superlotação

Das 14 unidades inspecionadas, 92,8% estavam superlotadas. O único estabelecimento que não estava com sua capacidade máxima, era a Prisão Feminina da Capital. A unidade com menor taxa de superlotação tinha 121,8% de ocupação e a com maior nível de ocupação, apresentava 230,5% de taxa de superlotação. A maior parte das unidades inspecionadas apresentava taxa de superlotação maior que 150%, e parte considerável, e mais de 200%.

Em diversos presídios foi constatado que as pessoas presas são obrigadas a dividir celas com até 40 pessoas, sendo que este espaço em teoria tem estrutura física para 10 a 12 pessoas. A estrutura física das celas denota espaço de total insalubridade, são mal iluminadas e com pouca ventilação. Tem rachaduras, vazamento de água, fiações elétricas expostas e são infestadas de insetos. 

Racionamento de água 

A prática de racionamento de água foi constatada em 85,71% das unidades prisionais inspecionadas; em um dos estabelecimentos em que não havia fornecimento de água de forma regular, no dia da inspeção, a unidade estava sem água há 5 dias. O tempo de fornecimento de água varia entre os estabelecimentos prisionais. Em uma penitenciária do interior, as pessoas presas relataram que a água é liberada por apenas 45 minutos por dia. Em outras unidades, este tempo é um pouco maior, mas ainda sim insuficiente para as necessidades diárias de higiene. Em um CDP da Capital, foi relatado que a água é fornecida pelo período de 1 a 2 horas por dia.

Ausência de Itens de higiene, máscaras e produtos de limpeza

A ausência de distribuição constante e suficiente dos itens básicos de higiene (sabonete, pasta de dente, papel higiênico, absorventes íntimos para mulheres, etc) é apontada como prática comum. Na maioria dos presídios inspecionados, as pessoas presas relatam que só recebem produtos de higiene quando ingressam no estabelecimento, ou seja, não há reposição por semanas ou meses.

Em 30,8% das unidades inspecionadas, as pessoas presas relataram que nunca recebem produtos de higiene, em 23,1% raramente seriam entregues e em apenas 46,2% a distribuição ocorre de modo regular.

Sobre a distribuição de máscaras, a situação era diferente em cada estabelecimento, mas insuficiente de maneira geral. Em um deles, por exemplo, foi fornecido tecido para que as próprias pessoas presas confeccionassem suas máscaras; em outras unidades foram distribuídas apenas duas máscaras no início da pandemia e depois disso, não houve mais reposição. Em alguns estabelecimentos as máscaras só foram distribuídas na inclusão. Já em outros presídios, não houve a entrega de nenhum item.