Violência policial

Tortura e maus tratos em abordagem policial tornam inviável manutenção da prisão em flagrante, decide TJ-SP em caso que contou com atuação da Defensoria Pública

"Nenhum delito, por mais grave que seja, justifica a prática de outro, em especial pelos agentes investidos pelo estado para preservarem a ordem pública", afirma desembargadora

Publicado em 31 de Agosto de 2023 às 17:00 | Atualizado em 31 de Agosto de 2023 às 19:22

A Defensoria Pública de SP obteve decisão limiar do Tribunal de Justiça paulista que reconheceu o excesso e a violência em uma abordagem realizada por policiais militares e, em razão disso, determinou que um acusado seja colocado em liberdade, mediante cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão. 

O caso aconteceu no mês de julho, mas nesta semana foi julgado o habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública. Segundo consta dos autos, o acusado foi preso em flagrante e, em audiência de custódia, relatou ter sofrido tortura e maus tratos, ao ser amarrado nos pés e nas mãos e ter recebido socos e chutes quando já estava algemando. 

Apesar do relato do acusado detalhando a forma como se deu a atuação policial e as agressões cometidas, a primeira instância determinou a prisão cautelar, afastando as alegações defensivas que apontavam a nulidade da prisão em flagrante em decorrência da conduta ilegal no momento da abordagem. 

No habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública, imagens obtidas através de gravação das câmeras corporais dos uniformes dos policiais mostram que o acusado já estava na viatura, quando foi retirado, amarrado e agredido. No documento, a defensora que atuou no caso apontou que diversos tratados de direitos humanos e dispositivos constitucionais vedam absolutamente a prática de tortura e maus tratos. "Não há dúvidas de que a conduta descrita pelo acusado se amolda ao conceito de tortura e maus tratos: ser amarrado nos pés e mãos, chegar com o rosto machucado e relatar socos e chutes quando já estava algemado", apontou a defensora pública Cristina Emi Yokaichiya, que atuou no caso.

Ela também pontuou que parâmetros internacionais e internos apontam para a exigência de reconhecer a ilegalidade da prisão quando a autoridade judiciária se depara com existência de indícios da prática de tortura e maus tratos. 

Na análise do habeas corpus, a desembargadora responsável considerou as imagens obtidas das câmeras dos policiais, que apontam o excesso de violência nas abordagens. "Não obstante a existência de situação que justifique a prisão em flagrante do paciente, (...) diante dos indícios de tortura, maus-tratos, tratamento cruel e degradante por parte dos policiais militares responsáveis pela prisão em flagrante, sendo tal conduta incompatível com o estado democrático de direito, nos termos da Constituição Federal, a qual prevê que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, é imperiosa a concessão da liberdade provisória, mediante a imposição de medidas cautelares diversas".

Reincidente

Para as defensoras públicas que atuaram no caso, o fato de o acusado ser, supostamente, reincidente e estar cumprindo pena em regime aberto não é justificativa para a violência e os maus tratos sofridos no momento da prisão. "Tortura e maus tratos por parte dos agentes do Estado são intoleráveis e maculam o flagrante, independentemente de qualquer coisa."

A argumentação foi acolhida pela desembargadora do TJ-SP. "A despeito da gravidade dos crimes supostamente cometidos, da reincidência do paciente, do fato de ele estar em cumprimento de pena, em regime aberto (...), inviável a manutenção do cárcere. Nenhum delito, por mais grave que seja, justifica a prática de outro, em especial pelos agentes investidos pelo estado para preservarem a ordem pública".

Dessa forma, a desembargadora determinou a soltura do acusado, mediante imposição de medidas cautelares que, se descumpridas, poderão acarretar nova decretação de prisão preventiva.

Corregedoria

O Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de SP está acompanhando a situação e encaminhou ou caso para apuração acerca do uso excessivo da força à Corregedoria e à Ouvidoria da PM.