STJ atende pedido da DPE-SP e decide que medidas protetivas são autônomas e não perdem validade se arquivada a apuração penal
Decisão foi proferida pela Terceira Seção do STJ em julgamento sobre caso de violência doméstica ocorrido na capital paulista
DPE-SP argumentou que medidas protetivas têm fim em si mesmas e não dependem de outro processo | Foto: stefamerpik/Freepik
A pedido da Defensoria Pública de SP, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que as medidas protetivas de urgência previstas pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) são autônomas e não devem ser revogadas automaticamente caso ocorra a extinção da punibilidade do agressor – ou seja, em caso de arquivamento do inquérito policial ou da ação penal –, se a situação de violência doméstica ainda perdurar.
A decisão foi proferida em sessão de julgamento no dia 12/4 pela Terceira Seção do STJ, responsável por processos em matéria penal, e atendeu a um recurso especial da Defensoria paulista. Conforme o acórdão, que cita parecer jurídico do Consórcio Lei Maria da Penha juntado pela DPE-SP, a revogação de medidas protetivas de urgência exige a prévia oitiva da vítima para avaliação da cessação efetiva da situação de risco à sua integridade física, moral, psicológica, sexual e patrimonial.
O ponto central da argumentação da DPE-SP foi que as medidas protetivas têm um fim em si mesmas e não dependem de outro processo ou apuração criminal para serem concedidas e mantidas. São meios para inibir a violência contra a mulher e não apenas acessório para garantir a efetividade de outro processo principal, que buscaria a condenação criminal do agressor. A Defensoria também apontou que é preciso respeitar a autonomia da mulher, que pode optar por não fazer uma representação criminal contra o agressor, mas mesmo assim tem o direito à preservação de sua integridade física e psicológica.
Entenda o caso
O caso que levantou a discussão foi o de uma moradora da capital paulista que, por meio da Defensoria, fez em 2014 um pedido judicial de medidas protetivas para afastamento do lar e proibição ao agressor de se aproximar ou ter contato com ela, seus familiares e testemunhas.
O pedido foi deferido liminarmente, mas, em maio de 2016, a juíza responsável pelo processo revogou as medidas protetivas, pois a vítima não havia formalizado uma representação criminal contra o agressor para apurar os crimes de injúria real (ofensa utilizando violência) e ameaça. Assim, reconheceu que estava extinta a punibilidade do homem e decidiu que, arquivado o inquérito policial ou ação penal, as medidas protetivas perdiam vigência, pois seriam acessórias à apuração criminal.
Em apelação ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a DPE-SP argumentou que as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha têm natureza jurídica de “tutela inibitória”, pois buscam resguardar o direito da mulher à vida, à integridade física e psicológica, inibindo a violência doméstica, sua reiteração ou continuação. Assim, sua função não é cautelar, para garantir a eficácia de uma decisão judicial em outro processo (no caso, uma condenação criminal), mas sim preservar os direitos materiais da vítima de violência.
Em abril de 2017, no entanto, o TJSP negou o recurso e a Defensoria interpôs recurso especial (julgado pelo STJ). Novamente o pedido não foi provido, em decisão monocrática proferida em setembro de 2022 pelo ministro relator Sebastião Reis Júnior. Ele apontou que, conforme jurisprudência da Corte, não haveria justificativa para a manutenção de medidas protetivas no caso de extinção da punibilidade do agressor, pois isso implicaria o risco de eternizar a restrição de direitos individuais.
Manejando novo recurso (agravo regimental), a Defensoria então conseguiu levar a discussão do caso à Terceira Seção da Corte. Assim, em sessão no dia 12/4, o ministro Sebastião Reis Júnior apresentou voto no sentido de prover o agravo regimental para que a vítima seja ouvida a respeito da necessidade de manutenção das medidas protetivas, e que estas devem ser deferidas ou mantidas caso a situação de violência ainda perdure.
O caso contou com atuação da defensora pública Nálida Coelho Monte, atualmente coordenadora auxiliar do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres, e do defensor Rafael Ramia Muneratti, integrante do escritório em Brasília do Núcleo de Segunda Instância e Tribunais Superiores da DPE-SP, que realizou sustentação oral perante o STJ.
Referência: Recurso Especial nº 1.775.341/SP